quinta-feira, 30 de outubro de 2008

SALA DE ESPERA


A mulher chegou, tímida, e sentou na sala de espera, no meio das outras mulheres. 

Trazia um filho enrolado num cobertorzinho de lã e mais duas meninas pequenas agarradas à barra da saia. Magrinhos, todos tinham aquela cor incerta que fica entre o pardo e o mulato, aquele amarelo desbotado e sem brilho dos que passam fome.
As meninas vestiam uns vestidos velhinhos mas muito limpos, mas calçavam havaianas sujas de lama. Porque vinham de longe, e vinham a pé.

O relógio da parede foi dando as horas: oito, nove, dez... A fila de mulheres ia caminhando, lenta, cada uma desfiando seu rosário de penas em frente ao guichê.

Uma contava que o marido bebia, que dava nela e nos filhos quando chegava bêbado, e que deixava faltar as coisas dentro de casa para comprar bebida.


Outra, descobrindo um curativo recente na testa, dizia que o companheiro a espancava dia sim, dia não. Queria providências.


Uma outra trazia a filha menor de idade, declarando-se seduzida. Pelo jeitinho maroto da moça, qualquer um diria que seria ela, e não o homem, o sedutor. Mas enfim... lei é lei!


Onze horas! A criança no colo da mulher começou a choramingar de fome. Ela chacoalhava o filho e dava o peito magro para ver se o enganava.

Nisso, o inesperado entrou na sala de espera. Um homenzinho sério, magro e também muito simples, com o boné dum político derrotado:

- Edileuza, vam'bora.

Era o marido da pobre. Descobrira seu paradeiro e viera atrás dela. Ou ela o acompanhava, ou...

O resto ficou por conta do imaginário de cada um, porque Edileuza foi com ele e aquelas crianças, e não voltou mais. 

 Coisas da vida.

Foto: "O peão" - Leandro

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

BRUJERÍAS



















Essa aconteceu comigo, faz alguns anos.
Era o quarto ano da faculdade de Direito e um colega me chamou para descer até o Grêmio, beber cerveja e jogar conversa fora. E eu fui.

Em lá chegando, vi que vários amigos do Cláudio estavam sentados ao redor duma mesa, e percebi também que eu não conhecia nenhum deles. Tudo bem, fiquei ali em silêncio, só bebendo cerveja e ouvindo.
Lá pelas tantas, fez-se um silêncio esquisito, ninguém falava nada, ninguém se mexia. Me deu um negócio estranho, uma compulsão de falar, e eu falei:


- Você aí, cara (e apontei para um moço bonitão, de cabelos encaracolados e lábios bem carnudos) - você é do signo de Leão.


- ??!!

- Quanto a você, - eu continuei, apontando para outro rapaz à mesa -, você torce para um time que não é daqui. As pessoas só me olhando, curiosas. Aí eu completei, falando para uma mocinha que estava junto deles:


- E o teu nome, moça, tem alguma coisa de céu.

O interessante é que eu não perguntei nada, eu afirmei. Porque eu tinha absoluta certeza do que eu estava falando, apesar de nunca na vida ter conversado com aquelas pessoas. É, eu sabia!
E realmente, conforme se conferiu em seguida, o primeiro mocinho era de Leão, o outro torcia para o Santos Futebol Clube, e o nome da mocinha era... Celeste!
Coisinhas sem nenhuma importância, é certo, mas o povo ficou me olhando com estranheza, e eu também achei tudo muito esquisito. Eu não acredito em coisas sobrenaturais, pero que las hay, las hay.

foto: "Crystal Ball" - Lauren Geary