quinta-feira, 7 de maio de 2009

A FOLGA



Terça-feira era o seu dia de folga. 

Ela acordava bem cedinho, como de costume, mas vestia o vestido de sair e não o avental branco de doméstica. Já deixava arrumado de véspera, nas costas da cadeira - roupa de ver Deus.

Saía de fininho do seu quarto no porão, pisando de leve no mármore branco da escadaria. Não ia ser que alguém acordasse e pedisse para ela fazer o café da manhã. 

Não na terça-feira!

O bonde passava exatamente às seis, chiando nos trilhos e alvoroçando a bruma do bairro elegante que ainda dormia. Ela cumprimentava o condutor e o bonde descia a ladeira, rumo ao centro. 

Sentia-se livre como um passarinho fugido da gaiola.

Era terça-feira e ela iria encontrar a irmã Rosa,  irmã na fé, que folgava na terça também. Iriam sentar, as duas felizes da vida ao sol da manhã, num banco debaixo de um coqueiro centenário da Praça Ramos, e conversar sobre a sua cidadezinha do interior de Minas e sobre as pessoas queridas que lá deixaram. O pai, a mãe... Saudade! 


Depois, como faziam todas as terças, iriam almoçar no restaurante da Liga das Senhoras Católicas, debaixo do Viaduto do Chá, ou comeriam um pastel com caldo de cana, numa pastelaria qualquer. E então caminhariam juntas, de braço dado pela praça, olhando encantadas as estátuas dos cavalos, que soltavam água pela boca.


Mais tarde, pegariam o ônibus com destino ao Brás: na bolsa, levavam os véus muito branquinhos, a Bíblia e o Hinário. Orariam contritas, cantariam hinos e dariam glórias. Escutariam a Palavra, aceitando tudo com fé genuína.

Na volta, já noite escura, viriam as duas em silêncio, pensando no que haviam escutado e observando a garoazinha enjoada e infalível da São Paulo de então,  que desenhava arabescos nos paralelepípedos da rua. 

Um dia tudo aquilo haveria de mudar, pois acreditavam que teriam uma casa só sua, um lugar para onde ir quando chegasse a terça-feira.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

MACACO VELHO


















Marido ciumento é um cano.

No começo, a gente acha tudo tão romântico: aquela preocupação, aquele desvelo, aquelas discussõezinhas à-toa do tipo "quem era no telefone?" ou "com quem você veio sentada no ônibus?", ou mesmo o fato de ter alguém te esperando todo santo dia à porta do trabalho ou à saída da escola. Com ou sem flores na mão, com ou sem um  38 na cinta.

Com o passar dos anos, no entanto, a coisa toda começa a cansar. 

Aquela eterna insegurança do parceiro começa a sufocar e então qualquer cobrança parece sinal de falta de confiança, falta de fé no próprio taco, falta de afeto, uma psicose!

No caso da Terezinha, somava-se a tudo isso a diferença de idades entre ela e o Jaguaribe. Ela, com vinte e três anos, loirinha bonita e recém-admitida no serviço público, prestativa, atenciosa, cheia de amor prá dar. Ele, um policial cinquentão , barrigudão, possessivo e ciumento até dizer chega. Vinha buscar a mulher todos os dias, sem exceção. Chegava cedo, parava o carro longe e ficava de olho, para ver com quem ela saía. Não fazia amizades com nossa turma, era um azedo.

Na repartição, todos notavam o desconforto da Terezinha, quando o Jaguaribe chegava para buscá-la. Teve gente que o viu escondido atrás de um poste (era mais magrinho, então), na certa esperando para dar um flagrante nalgum colega dela que se atrevesse a um adeuzinho mais afoito... Era um problema sério.

Até que um dia a Terezinha, como era de se esperar, se encheu daquela situação e resolveu dar um basta, e abrir o coração e os braços para um romeu qualquer, para assim talvez justificar a obssessão do Jaguaribe. Não aguentava mais!

Borges, o nosso encarregado, que era quem sempre a acompanhava, muito solícito, fosse na hora do almoço, fosse na saidinha rápida para o cafezinho da tarde, foi eleito confessor, pela moça. Na hora da saída, em lágrimas, ela lhe contou que só tinha aceito casar com o Jaguaribe por causa do dinheiro dele, pois vivera uma infância e uma adolescência de pobreza e privações, miséria mesmo, lá no interiorzão de onde viera. Que o Jaguaribe sabia disso e aceitara os fatos, mas que agora era aquilo, aquela desconfiança, aquele sufoco, aquela pegação no pé. Ele a perseguia dia e noite, abria sua correspondência, cheirava a sua roupa, ameaçava matar meio mundo. Além do que, na cama, o marido era um incompetente. Estava cheia!

O Borges, só escutando...

Ao fim, apesar da sua grande e merecida fama de galanteador, ele deu um jeitinho de sair fora:

- Olha, dona Terezinha... lembrei agorinha mesmo de uma mensagem urgente para a Saúde. Com a sua licença, devo retornar à repartição.

E picou a mula bem na hora, porque logo em seguida apontou o Jaguaribe, saído de trás de um poste qualquer.

foto: Ana Luíza