segunda-feira, 26 de outubro de 2009

TER E/OU NÃO TER

Tudo muda, essa é a lei da vida. Muda o clima, muda a Lei, mudam os costumes e também mudam as relações entre as pessoas e as coisas. O que não muda - é justamente a exceção que comprova a regra - é a cupidez do gênero humano, a sua eterna sede de ter mais e mais e mais, não importando o como e nem o para quê. 

Amontoamos coisas: casas, carros, roupas, sapatos, maquiagem, eletrodomésticos, livros, equipamentos... Coisas a princípio excelentes e extremamente úteis, produzidas para atender as nossas muitas necessidades. Com o passar do tempo, entretanto, e com o incrível desenvolvimento da indústria e do comércio, com os meios de comunicação nos bombardeando dia e noite através da propaganda, nós nos esquecemos daquela equação, da necessidade e utilidade da coisa versus o simples desejo dela. 
Pela propaganda, somos empurrados para a compra por impulso, por inveja, por fastio, sem real necessidade, ou apenas para preencher um buraco impreenchível da nossa própria alma. 

Senão vejamos... 

Era perto do ano de 1960. Nem tão antigamente assim, basta recuar meio século! Nós, típicos migrantes brasileiros à procura de melhores condições de vida, morávamos numa ruazinha de terra, na periferia da cidade. Casinha pequena, de dois cômodos, sem esgoto e sem água encanada. Não ter água encanada implicava em ter um poço, e nós tínhamos um poço muito fundo e muito bom. Com uma manivela de madeira e um balde amarrado a uma corda, inúmeras vezes ao dia a minha mãe puxava água: para lavar a roupa - tão branquinha quarando em cima dos pés de hortelã e poejo do quintal - para lavar a louça, que ela amontoava numa bacia... E o banho? Outra bacia, que ficava pendurada na parede do banheiro. O banheiro era no quintal, com seu piso brilhando e encerado de vermelhão, um capricho da mãe. Num prego, a toalha branca e felpuda, com cheirinho de ervas, que vinha depois da sessão de bucha e da espuma entrando no olho. Ardidas lembranças... 
Luz elétrica, essa nós tínhamos. Recém-inaugurada, a rede elétrica caminhava velozmente pelos muito quilômetros de fios espichados através dos redutos eleitoreiros. Iluminavam-se as ruas e os palanques, onde se prometiam novos e maiores confortos para o povão embevecido. Todos teriam tudo! Na nossa modesta casinha, então, havia um bico de luz iluminando os dois cômodos, uma tomada com um benjamim, onde se conectavam a máquina de costura da mãe e o rádio. 

O rádio! 

Naquele tempo, o rádio era nossa grande via de comunicação com o mundo. Ao seu redor sentava-se a família, o pai com o cigarrinho na boca, a mãe parando as tarefas do dia, os filhos hipnotizados pelo som da maravilha. Ouvia-se o noticiário, as novelas, a boa música. Tempo sem televisão, tempo sem telefone - quem sonharia com os celulares!? - tempo sem tanto carro nas ruas, tempo sem poluição. 

Sem lixo! 

A mãe despejava os poucos restos da casa: cascas, saquinhos de papel (não usávamos ainda o plástico, lembra?) tudo num buracão cavado na horta. Ali, depois, jogava-se alguma semente de abóbora,  de mamão, de laranja, e era só esperar pela enormidade que brotaria. Adubada com restos. 

E nós? Quais eram os nossos sonhos?

Sonhávamos pequeno, pequenos eram os nossos desejos, e grandes as nossas alegrias com a sua realização. Coisas simples como um terno, porque o que se tinha já estava muito velhinho, um sapato visto numa vitrine do centro da cidade, porque o que se calçava já não suportava mais meia-sola, um brinquedo talvez,  porque o Natal vinha chegando.

Tudo pequeno, tudo valioso, tudo a seu tempo. O importante era ser feliz e a gente era realmente feliz, independentemente do ter demais. Acho eu. 

 foto: Maciej Hoffman