segunda-feira, 25 de julho de 2011

O COITADO






















Todo mundo sabia que o Anderson traía a Cleide, menos ela.


Aquelas demoras, aqueles serviços de fim-de-semana. As desculpinhas esfarrapadas que ele sempre dava ao interromper um almoço em família ou levantar correndo no meio da noite, depois de atender o celular. Era a clientela chamando, fazer o quê?


Todo mundo sabia que só podia ser traição das brabas, mas a coitada da Cleide não acreditava. Para ela, o marido era um santo. "Trabalha dia e noite naquele táxi, feito um escravo, coitado." Ou então: "Não sabe recusar um serviço, coitado".


Despedindo o coitado no portão, Cleide se recolhia à sua vidinha besta de viúva de marido vivo.


Ela ligava a TV de manhã cedinho e deixava o aparelho ligado o dia inteiro, para lhe fazer companhia enquanto cuidava da casa, lavava, passava, fazia a janta e deixava o prato do marido arrumado em cima do fogão. Ele podia chegar com fome, coitado...


Só então sentava-se no sofá solitário, pegava o tricô eterno e prestava atenção na TV ligada. Sempre assistia o jornal  antes da novela.


Foi exatamente no noticiário - antes da novela - que ela viu um sujeito no interior de um táxi que saía de um motel, e que tentava acessar a rodovia. Ia todo pimpão, aos beijos com uma loira de farmácia.


O repórter falava sobre um acidente medonho, ocorrido na Marginal do Tietê, que uma carreta tombou atrapalhando o trânsito e não sei que lá mais...


Num close, Cleide pode ver nitidamente a placa do veículo e a cara do safado: era o Anderson!


- Cachorro!


Ao chegar em casa, tarde da noite, o taxista estranhou o silêncio. Chamou a esposa, farejou os três pequenos cômodos e finalmente deu com o bilhetinho desaforado, pregado na tela da TV:


" Procura a tua janta na casa da loira.  "




foto: "Cena Urbana" - Gregório Gruber