Eu não. Com muito custo lembro das duas coisas mais remotas da minha vida. E ainda às vezes até duvido delas, pois podem nem ser uma lembrança minha, pode ser que alguém tenha me contado. Fiapos!
Os bois...
A minha primeira memória são bois envoltos na poeira da rua. Eu teria então uns cinco, seis anos de idade, e estava sentada no primeiro degrau de uma escada muito alta (tudo era então tão grande) na frente da nossa casa, lá em Minas. Ao meu lado, a minha avó, de roupa preta e lenço na cabeça, me dava cana em pequenos toletes muito doces. Foi então que apareceu o primeiro boi, de uma boiada conduzida por uns boiadeiros, um boi medonho. Ele tinha uma cara grande marrom da cor da terra da estrada, e o focinho úmido bufando: eu vi o olho do boi me olhando. Foi coisa de minuto, minha avó me puxou escada acima e ficamos lá olhando aquela multidão de lombos suados passando, passando, interminável, enquanto a poeira da estrada subia e se alastrava.
As rosas...
Então eu já tinha uns cinco para seis anos, e já era em São Paulo, na Rua Domingos de Morais. Tinha um jardim de roseiras velhas muito altas, de tronco grosso e espinhento, na porta da cozinha. O sol, batendo nelas contra o muro branco, formava desenhos de sombras dançantes. Sentada num degrau, cheirava o ar perfumado de rosas e de feijão cozinhando, enquanto sondava as formigas cabeçudas andando em fila indiana e escutava as abelhas zumbindo em volta das rosas.
O mundo mais recente parece que também já está sendo envolto numa espécie de névoa, prestes a desaparecer. Parece que eu tenho que lutar de alguma forma - talvez escrevendo? - porque mesmo essas cenas também podem a qualquer momento se apagar da minha mente, apagando o que eu fui, e o que eu sou.