tag:blogger.com,1999:blog-46328425265032643132024-03-04T22:52:26.440-08:00"CASOS LIGEIROS"Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.comBlogger64125tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-42910213243083117702023-09-08T17:06:00.031-07:002023-12-08T07:14:11.246-08:00O VELHO E O GATO<p><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMIhaFVEdMZDRnsbs0dHmTj2LvyqWC0gPLkEMBe1RKFckrXhq4Z7ijW6FbRy3L0ESzA9P0oMl-IpNix_8HKjWitjClUou2Uwl03eWrBsCKx4ITKcy-H5hkyNNRKEbC6kg6WP38Q0wZcJs/s1600-h/O+GATO+_+Ado+Malagoli.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5332693453614215346" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMIhaFVEdMZDRnsbs0dHmTj2LvyqWC0gPLkEMBe1RKFckrXhq4Z7ijW6FbRy3L0ESzA9P0oMl-IpNix_8HKjWitjClUou2Uwl03eWrBsCKx4ITKcy-H5hkyNNRKEbC6kg6WP38Q0wZcJs/s320/O+GATO+_+Ado+Malagoli.jpg" style="cursor: pointer; float: left; height: 320px; margin: 0pt 10px 10px 0pt; width: 258px;" /></a><br />
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
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<span style="font-weight: bold;">. </span></p><p><span style="font-weight: bold;"> Sentado no alpendre coalhado de samambaias e gerânios</span><span style="font-weight: bold;">, o velho aproveita o sol da manhã. </span><span style="font-weight: bold;"> No colo, segura um gato velho, já meio russo.<br /></span></p><p><span style="font-weight: bold;">Porque todo velho solitário tem um gato. </span>
<span style="font-weight: bold;"> </span></p><p><span style="font-weight: bold;">Acorda cedo e permanece um tempão sentado na beira da cama larga, pensando se vale a pena levantar. No fim, levanta por necessidade, e vai abrir a janela, para que o sol entre no quarto.<br /></span></p><p><b>Acaricia o gato que lhe roça as pernas querendo comida.<br /></b></p><p><span style="font-weight: bold;">Ajeita os óculos e vai lendo o jornal de trás para diante, como sempre fez, bebendo o café preto na xícara azul. Costume antigo, que vai virando o jeito de ser das coisas.</span> <span style="font-weight: bold;"> Coisa de velho.<br /></span></p><p><span style="font-weight: bold;"> Molha as samambaias e os gerânios.</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br />Meio dia, desce a escada devagar e caminha até o Bar Tropical, na pracinha da igreja. Almoça o prato do dia e aproveita para conversar com algum outro solitário. Fica por ali, fumando, jogando dominó e fazendo hora, até que o relógio da igreja anuncia o fim da tarde. </span></p><p><span style="font-weight: bold;">Então sobe a rua </span><span style="font-weight: bold;">naquele passinho duvidoso de quem há muito perdeu a vontade de voltar para casa.</span></p><p><span style="font-weight: bold;">Do alto da</span><span style="font-weight: bold;"> escada olha em silêncio a cidade, contempla o ocaso. </span><span style="font-weight: bold;">Os derradeiros raios do sol batendo na torre da igreja, o bando de aves arreliando no bambuzal perto do rio. Então ele pensa que tudo isso perdeu um pouco da graça que tinha antes, agora que está velho.</span></p><p><span style="font-weight: bold;">Velho e solitário...</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;">Senta-se na velha poltrona, com o gato no colo, na frente da TV. Juntos, ficam ali um bom tempo, aquecendo a solidão e pensando na vida. </span><br />
<br />
<br />
<span style="font-weight: bold;">foto: Aldo Malagoli</span></p>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-28396771179916397932021-10-13T10:37:00.001-07:002021-10-15T07:43:21.941-07:00MEU VESTIDO DE ORGANDI<b><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitLMYAoeczkFjKQeCvn44kleRu3f27g880qpjuzPwRHQzExZQiaDoP-SVzpa5AXN5lfO4HSkIJtv3J8TqBNwL-Y9DtAzZhKynGLFbh43999gMag86ytxw210Sftf4xuCmeLCP1dUAi1rU/s1280/SAO+ROQUE+DE+MINAS.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="1280" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitLMYAoeczkFjKQeCvn44kleRu3f27g880qpjuzPwRHQzExZQiaDoP-SVzpa5AXN5lfO4HSkIJtv3J8TqBNwL-Y9DtAzZhKynGLFbh43999gMag86ytxw210Sftf4xuCmeLCP1dUAi1rU/s320/SAO+ROQUE+DE+MINAS.jpg" width="320" /></a></div><br />Uma vez nós vajamos para o interior de Minas, visitar uma tia que morava na roça. Nem era tão longe assim, a questão é que o transporte, naquele tempo, era bem mais precário. </b><br />
<b><br /></b><div><b>Primeiro pegamos uma jardineira, aquele ônibus antigão com o motor na frente e bagageiro em cima do teto, onde viajavam juntos bagagens, galinhas, porcos e tudo o mais. A estrada era de terra, por sorte não chovia. A partir de certo ponto, entretanto, tivemos que ir na carroceria de um carro de boi, lentamente, lentamente, ouvindo aquele gemido pungente das rodas, ueeeeeeeeeeeeeem....</b><div><b><br /></b>
<b>Até que, depois de uma curva na estrada, o carro de boi entrou numa fazenda, e nós seguimos a pé. Anda que anda, anda que anda, por fim chegaram os primos a cavalo, para nos encontrar. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>Alívio? </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>Acontece que eu tinha viajado com o meu vestidinho mais chique, de organdi cor-de-rosa. Era um tecido muito fininho, quase transparente, em várias camadas formando sobressaias. Um luxo.</b><br />
<b><br /></b></div><div><b>Só que, viajando na garupa do vovô, foi impossível segurar aquela montoeira de babados para evitar que encostasse na bunda suada da montaria. Resultado: o suor do cavalo repicou o vestido, acredita? Fez um rombo em toda a extensão do contato. </b><b>Mas isso eu só fui ver depois, muito depois. Acho mesmo que o vestido ficou na minha sacolinha até o fim da nossa estadia, vai ver até que foi isso que fez o suor adquirir esse poder todo.</b></div><div><b> </b><br /><b>Até porque a gente tinha muito mais coisas pra fazer: acordar cedinho e já correr pro ribeirão, nadar entre os meninos e os peixes, tomar leite tirado na hora, comer fruta madura no pé...</b></div><div><b><br /></b>
<b>Foi naquela vez que eu me dei conta da dureza da vida na roça. Todos trabalhavam por ali, desde a minha tia, senhora já dos seus 50 anos, até os filhos pequenos. E a enxada, amigos, só é bonita na mão do outro!</b><br />
<b>Eu, bicho urbano, criado nas molezas da cidade grande, do ônibus pra todo canto, do sapato bom no pé, do agasalho e da capa de chuva contra as agruras do clima, pude ver o quanto a minha vida era diferente dos meus primos, tendo no entanto a mesma idade.</b></div><div><b><br /></b>
<b>Cedinho, ainda escuro, eles já estavam na cozinha bebendo o cafezinho ralo mineiro e comendo a broa de fubá generosa que minha tia assava no forno de barro. Saiam para o eito pitando seu pito de palha já que a plantação ficava a não sei quantas léguas da casa. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>Chapelão de palha, enxada ao ombro, alguns calçados de jeca-tatu, outros de alpercata, outros nem isso... E dá-lhe enxada, e dá-lhe capinar o café, e dá-lhe peneirar café, uma labuta que só iria terminar com o sol posto.</b></div><div><b><br /></b>
<b>Eles voltavam cheirando a suor, quietos, mas logo se alegravam. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>Depois da janta, ficavam todos reunidos no alpendre, tocando viola e cantando as velhas modas de sempre, que falavam valentia de cavalos baios, de meninos na porteira e de chalanas sumindo na curva dos rios, de amores desfeitos e de colchas de retalho bem guardadas na memória. </b><br />
<br /></div></div>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-30659661502557512392020-07-16T09:10:00.005-07:002022-10-14T10:28:47.236-07:00O RABUDINHO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p>
<b><br /></b>
<b><br /></b><br /><b>Não comer manga com leite, porque é veneno. Nunca deixar o calçado jogado no chão com a sola para cima, porque os pais morrem. Quando o relógio marcar dezoito horas, nunca, jamais iniciar ou manter uma discussão. Uma briga, um bate-boca. Jamais!</b><br />
<b><br /></b><b>Coisas da mãe.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Ela contava que, no tempo antigo, existiu um casal, marido e mulher, que brigava muito. Ele gritava com a mulher, ela jogava coisas nele, era um inferno. Moravam numa casa pequena, de quarto e cozinha, e ele sempre ficava no quarto estirado na cama e xingando, e ela da cozinha, mexendo as panelas e retrucando. De vez em quando voava uma caneca, uma colher de pau e sempre muitos palavrões dos dois lados. Um inferno.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Mas um certo dia, justamente às dezoito horas, começou o tendepá. Ele chegou em casa meio bêbado, como de costume, e já veio xingando do portão.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Que aquela mulher não valia nada, onde é que ele estava com a cabeça quando casou com aquela vagabunda, olha só a sujeira da casa e ela o dia inteiro grudada no rádio escutando novela...</b><br />
<b><br /></b>
<b>E deitou na cama de casal, bufando espichadão.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Ela, como sempre, não deixou por menos, e retrucou que vagabundo era ele e mais a corja toda da família dele, que se soubesse que ia passar a vida inteira enfiada naquele buraco de rato que era aquela casa não teria casado com um inútil feito ele, e coisa e tal...</b><br />
<b><br /></b>
<b>Foi quando os dois olharam para o portal entre o quarto e a cozinha e viram a criatura. O rabudinho!</b><br />
<b><br /></b>
<b>O rabudinho estava ali, gargalhando com aquela risada mais medonha, olhando ora para o quarto e ora para a cozinha e torcendo o rabo de gozo, com dois olhos enormes e esbugalhados, acesos de fogo. </b></p><p><b>O casal apavorado não sabia o que fazer, então os dois resolveram ajoelhar e rezar. Só assim o rabudinho foi embora.</b><br />
<b><br /></b>
<b>E eu aprendi a ver as horas.</b><br /><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgP8JHmSeEjnG8p0QO6gwVXZbfBn898Ga1INUJjcDXYTQ5Ug79NWtAOm1XttcLvKcuEJylkZK0kT3v_wpczEs8e6g3He25AYXL0O5GSpSZlyrwaJ-GyguRj3ZWYTSmupJh1WjcuyIAO6r4/s500/desenho+fer.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="500" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgP8JHmSeEjnG8p0QO6gwVXZbfBn898Ga1INUJjcDXYTQ5Ug79NWtAOm1XttcLvKcuEJylkZK0kT3v_wpczEs8e6g3He25AYXL0O5GSpSZlyrwaJ-GyguRj3ZWYTSmupJh1WjcuyIAO6r4/s320/desenho+fer.jpg" width="320" /></a></div><br /><div>foto ilustração de Feozzy</div>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-37758623482505551482016-07-22T11:32:00.000-07:002017-08-14T07:17:00.504-07:00CONTOS DA TIA<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgD9XleHX311WgW8BJHY3y-mL-SgIdrHcdBQr2VBm6WlbOvfaLDrLFgzpanAt_S1SemWpm9nBfQ7WdhR2xjA5j-n7znCNi8bwHl3MrcPkZXqBaZd-hvuiZ_fTtoOwNJTGonUXbJCTfbOEo/s1600/batata+008.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1200" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgD9XleHX311WgW8BJHY3y-mL-SgIdrHcdBQr2VBm6WlbOvfaLDrLFgzpanAt_S1SemWpm9nBfQ7WdhR2xjA5j-n7znCNi8bwHl3MrcPkZXqBaZd-hvuiZ_fTtoOwNJTGonUXbJCTfbOEo/s320/batata+008.jpg" width="240" /></a></div>
<b><br /></b><b>Era uma vez...</b><br />
<b><br /></b>
<b>Pronto, estava instaurado o reino do faz-de-conta, onde tudo era possível. A tia sentava-se à cabeceira da imensa cama de casal, acomodando-se entre cobertores e pilhas coloridas de travesseiros. A</b><b> gente se amontoava em volta dela, olhos arregalados para não perder nada. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Era uma vez...</b><br />
<b><br /></b>
<b>Era uma vez, num reino bem distante, bem prá lá do fim do mundo, onde o vento faz a curva, longe, longe, bem longe. Onde nunca, ninguém, jamais foi nem iria, de t</b><b>ã</b><b>o longe.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Tinha um bom rei pai e uma bondosa rainha mãe. Tinha uma filhinha princesa, linda e muito fragilzinha e um príncipe encantado, que ia aparecer no final, enfrentar o dragão e salvar a princesa, colocando o mundo nos eixos, como acontece nos reinos distantes. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Porque o bem sempre ganha e derrota o mal. E todos vivem felizes para sempre. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Era uma vez...</b><br />
<b><br /></b>
<b>E ali, entre travesseiros e cobertores, estava montada a fantasia que embalava as nossas vidinhas sem-graça, de crianças pobres da periferia da cidade,</b><b> sem muito acesso ao sonho.</b><br />
<b><br /></b>
<b>O tempo, se não me engano, passava mais devagar. A gente acordava bem cedo, a </b><b> tarde passava devagarinho, o dia rendia. A gente brincava sem brinquedos, na rua de terra, com a molecada. Subia nas árvores, amarrava balanço. A noite demorava a chegar.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Mas, quando enfim a noite chegava, a gente rodeava a tia, pedindo uma história. Era quase sempre a mesma: era o bem contra o mal, era o reino muito distante, mas era um prazer imaginar cada cena, vibrar com o suspense, e esperar o desfecho conhecido.</b><br />
<b><br /></b>
<b>E foram felizes para sempre!</b><br />
<b><br /></b>
<b>A tia hoje é uma velhinha meio surda e meio caduca, coitada. Se duvidar, ela é quem gostaria que lhe contassem contos de fada.</b>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-42774840816934642852015-04-05T07:30:00.002-07:002023-11-03T14:38:27.357-07:00CAUSO DE ASSOMBRAÇÃO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikYfjLK_9UBuVnZeEdOnuh3o6_ZaMHYXpBFwPbMqbt0XMGupf5WEmjPQ7KsT9FdDu1HOUpG33paScGrV46RMzVZFp7qgZ7Z7LL_8vFsOsanFu89MdQLe9kKJbVQcyoEnaPGsnbUST2yL8/s1600/sombra_feozzy.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="256" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikYfjLK_9UBuVnZeEdOnuh3o6_ZaMHYXpBFwPbMqbt0XMGupf5WEmjPQ7KsT9FdDu1HOUpG33paScGrV46RMzVZFp7qgZ7Z7LL_8vFsOsanFu89MdQLe9kKJbVQcyoEnaPGsnbUST2yL8/s1600/sombra_feozzy.jpg" width="320" /></a></div>
<b></b><br />
<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; margin: 0px; text-align: center;">
</div><p>
<b> <i>Dedicado à<a href="http://cargocollective.com/fernandaozilak/About"> Fernanda Ozilak</a>, ilustradora e filha, a quem assombrei na infância com os meus causos ligeiros...</i></b><br />
<b><br /></b>
<b><br /></b>
<b><br /></b>
<b>Éramos pequenas, as três. </b><br />
<b><br /></b>
<b>O meu avô, um velho muito alto e que usava chapéu, tinha o gostoso costume de "quentar fogo" na taipa do fogão toda noite, antes de dormir. Naquele tempo fazia muito mais frio. </b><b>Nós, suas netas queridas, penduradas ao seu redor, pedíamos queijo quente na chapa, ou pipoca, ou bolinho de chuva e que ele contasse um causo de assombração.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Puro masoquismo, uma vez que, depois de escutar os tais causos, tínhamos medo até de andar até o quarto. Íamos agarradinhas uma a outra, e dormíamos com a cabeça coberta. </b><b>Naquele tempo não havia televisão, então essa era a nossa diversão noturna. Martírio e delícia...</b><br />
<b><br /></b>
<b>Um dos causos de que eu lembro era o da loira fantasma e o vaqueiro valentão. </b><b>Era assim: havia um vaqueiro que era metido a valentão e que gostava de ficar contando vantagem na venda da beira da estrada, entre todos os seus colegas vaqueiros que sempre paravam ali para tomar uma pinguinha antes de seguir viagem. Numa dessas ocasiões, alguém contou que alguém tinha lhe contado sobre uma certa mulher loira, muito bonita, que tinha morrido sem cumprir uma promessa de ir a Aparecida do Norte, e que desde então a falecida aparecia para os viajantes no meio do caminho escuro, chorando e pedindo carona. </b><br />
<b><br /></b>
<b>O vaqueiro valentão não deixou barato, e arrotou que, se a loira surgisse, não hesitaria em dar um lugarzinho na garupa do cavalo. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Dito isso, montou e partiu, seguindo o caminho longo e solitário rumo a sua casa. Era noite de lua cheia, e a lua alumiava as cercas e as grandes palmeiras à beira da estrada, formando sombras magras e compridas no chão de terra.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Avistou a porteira duma fazenda e, de longe, ele divisou o vulto de uma pessoa. Era uma mulher loira, vestida de branco, e de longe, parecia bonita. Conforme ele foi chegando mais perto, percebeu que ela chorava soluçado. </b></p><p><b>- Que que é isso, dona, por que essa tristeza toda? a do Norte, mas que já estava cansada, que era tão longe, que nunca chegava... O valentão, esquecido do assunto da venda, ofereceu a garupa. A dona não carecia chorar daquele tanto.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Cavalgaram calados debaixo do luar por bastante tempo, até que ele percebeu que a mulher não esquentava, e o corpo dela grudado, às suas costas, continuava frio que nem uma pedra. Nesse ponto ele o</b><b>lhou para trás e...</b><br />
<b><br /></b>
<b>O vovô então fazia uma pausa teatral, para acender o pito de palha num tição de lenha, enquanto </b><b>nos achegávamos mais ainda umas às outras. </b></p><p><b>- Conta, vô! Conta, vô!</b><br />
<b><br /></b>
<b>Nesse ponto - ele prosseguia com voz soturna - o vaqueiro olhou para trás e nem queiram saber o que é que ele viu! Era o bicho mais feio do mundo, uma assombração, um corpo-seco, uma alma-penada. A loira riu uma risada muito alta e muito feia, tarracada na cacunda do vaqueiro, e só então o valentão lembrou que levava um patuazinho preso ao trancelim no pescoço, com a imagem da Virgem. </b></p><p><b>- Valei-me, minha Nossa Senhora! </b></p><p><b> Nessa hora, concluia o vovô, o bichão feio pulou fora da garupa do cavalo, e soverteu numa nuvem de fumaça. Só ficou aquele cheiro de enxofre no ar...</b><br />
<b><br /></b>
<b>N</b><b style="text-align: center;">ossa procissãozinha seguia para o quarto, e dormia agarradinha na grande cama de casal. De cabeça coberta, é claro.</b><br />
<b style="text-align: center;"><br /></b>
<b style="text-align: center;">foto: A Sombra - Feozzy</b></p>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-90529750269272422682013-05-01T23:44:00.002-07:002021-03-11T07:36:04.097-08:00LEMBRANÇAS<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiykRUNwRMUrRHItNl4xVnDAetzRRqVHRqOaRQ_uP7r9ugKcD6UK-9FI13vZeMG4N_7sWREhdaZT7z0y8j7Wlc4rcjR0Yj-hTfh880tdF0Z7tI5gubhEMxY775Y8qp3LhABd4O04E3x7yo/s1600/P24-04-13_10.27.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiykRUNwRMUrRHItNl4xVnDAetzRRqVHRqOaRQ_uP7r9ugKcD6UK-9FI13vZeMG4N_7sWREhdaZT7z0y8j7Wlc4rcjR0Yj-hTfh880tdF0Z7tI5gubhEMxY775Y8qp3LhABd4O04E3x7yo/s320/P24-04-13_10.27.jpg" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
<div>
<br /></div>
<b>Eu invejo as pessoas que têm fartas lembranças da própria infância. Falam dela com riqueza de detalhes, falam sobre coisas grandes e pequenas, pessoas e lugares que já nem existem mais.</b><br />
<div>
<b><br /></b></div>
<div>
<b>Eu não. Com muito custo lembro das duas coisas mais remotas da minha vida. E ainda às vezes até duvido delas, pois podem nem ser uma lembrança minha, pode ser que alguém tenha me contado. Fiapos!</b></div>
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<b><br /></b></div>
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<b>Os bois... </b></div>
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<b><br /></b></div>
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<b>A minha primeira memória são bois envoltos na poeira da rua. Eu teria então uns cinco, seis anos de idade, e estava sentada no primeiro degrau de uma escada muito alta (tudo era então tão grande) na frente da nossa casa, lá em Minas. Ao meu lado, a minha avó, de roupa preta e lenço na cabeça, me dava cana em pequenos toletes muito doces. Foi então que apareceu o primeiro boi, de uma boiada conduzida por uns boiadeiros, um boi medonho. Ele tinha uma cara grande marrom da cor da terra da estrada, e o focinho úmido bufando: eu vi o olho do boi me olhando. Foi coisa de minuto, minha avó me puxou escada acima e ficamos lá olhando aquela multidão de lombos suados passando, passando, interminável, enquanto a poeira da estrada subia e se alastrava.</b></div>
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<b><br /></b></div>
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<b>As rosas...</b></div>
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<b><br /></b></div>
<div>
<b>Então eu já tinha uns cinco para seis anos, e já era em São Paulo, na Rua Domingos de Morais. Tinha um jardim de roseiras velhas muito altas, de tronco grosso e espinhento, na porta da cozinha. O sol, batendo nelas contra o muro branco, formava desenhos de sombras dançantes. Sentada num degrau, cheirava o ar perfumado de rosas e de feijão cozinhando, enquanto sondava as formigas cabeçudas andando em fila indiana e escutava as abelhas zumbindo em volta das rosas. </b></div>
<div>
<b><br /></b></div>
<div>
<b>O mundo mais recente parece que também já está sendo envolto numa espécie de névoa, prestes a desaparecer. Parece que eu tenho que lutar de alguma forma - talvez escrevendo? - porque mesmo essas cenas também podem a qualquer momento se apagar da minha mente, apagando o que eu fui, e o que eu sou.</b></div>
Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-89138242637245658272012-09-08T08:18:00.001-07:002018-02-05T02:53:26.702-08:00OS EMPREGOS<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjh0PXfiLFCM85HgjzxaYgbmZsY5IyW3r5LVwd-3kF1ssNMqKr-xUtM5epGSxmpCxJsfZCp57t7a1qW4mt76USu6Wy17YyrxWBk5bhX16o6c2Mk-ymSFMSPwkbDKAMk-Jj1VJnRMd4ZWMY/s1600/maq+escrever+web.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjh0PXfiLFCM85HgjzxaYgbmZsY5IyW3r5LVwd-3kF1ssNMqKr-xUtM5epGSxmpCxJsfZCp57t7a1qW4mt76USu6Wy17YyrxWBk5bhX16o6c2Mk-ymSFMSPwkbDKAMk-Jj1VJnRMd4ZWMY/s320/maq+escrever+web.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<b><br /></b><b><br /></b><br />
<b>Era o ano de 1969, uma pobreza abençoada. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Eu vivia na margem da margem, sem ser marginal. Mais um passinho e seria uma sem-teto, mas acho que naquele tempo nem existia o conceito. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Precisava trabalhar, já estava me preparando: cursava o Ginásio Industrial da Associação Cívica Feminina, hoje Colégio Olga Ferraz, no bairro da Água Branca, e à noite fazia o curso de "Dactilografia". asdfg asdfg asdfg asdfg, lembra</b><b>?</b><br />
<b><br /></b>
<b>Era tudo muito simples.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Para se arranjar qualquer empreguinho, digamos, de auxiliar de escritório, tinha que ter "boa aparência", seja lá o que isso queira dizer, ginásio completo, e datilografia. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Ter os documentos em dia, também: diploma, RG, Título de Eleitor e Carteira Profissional, Carteira de Reservista para os meninos. Ah, e duas fotos 3 x 4 se você fosse contratado. Chapa do Pulmão também, esse bando de tuberculosos enrustidos que nós sempre fomos...</b><br />
<b><br /></b>
<b>Ainda não tinha internet. Recortava-se o anúncio da vaga de emprego nos classificados do jornal, perguntava para o fiscal no ponto de ônibus como é que se fazia para chegar na rua da empresa tal, e ia para a fila de candidatos, fazer o teste e, se aprovado, a entrevista.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Meu primeiro emprego foi na Rua Direita, no centrão de Sampa, mas não passei na experiência, e assim fui dispensada no primeiro mês. Foi um mês de muita privação, pois eu só tinha dinheiro para comer um hotdog e beber um suco da maquininha. Não existiam o vale-refeição e nem o vale-transporte, mas eu tinha o passe escolar, a cartelona mensal comprada num posto do Ministério da Educação e Cultura, na Galeria Prestes Maia, embaixo do </b><b>Viaduto do Chá.</b><br />
<b><br /></b>
<b>O segundo emprego já foi bem melhor. Graças à ajuda de um político, fui trabalhar numa editora no bairro da Luz, no setor de arquivos. O bom homem havia me arrumado dois empregos, para eu escolher. Escolhi o que tinha refeitório, porque não queria nem lembrar do cachorro-quente. A cozinheira da firma nos dava café da manhã, almoço e ainda guardava um pratinho de janta pra quem ia direto do trabalho pra escola. Coisa de mãe.</b><br />
<b><br /></b>
<b>O terceiro emprego foi a glória! Fui ser telefonista no setor de informações da CTB - Companhia Telefônica Brasileira, na Rua Sete de Abril. Excelente refeitório! Salário melhorzinho, pude continuar meus estudos, pagar o cursinho pré-vestibular no Etapa, entrar na Universidade de São Paulo. Cujo bandejão sempre me sustentou.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Hoje eu olho para trás com ternura, dou muito valor a todas aquelas experiências, e gosto de tudo que fiz. Eu não faria nada diferente, se pudesse voltar no tempo. Nada! </b><br />
<b><br /></b>
<b>E você?</b><br />
<b><br /></b>
<b>foto: máquina de escrever - web</b>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-82822794284548238682012-08-14T06:26:00.000-07:002018-02-05T01:34:26.740-08:00TREM NOTURNO<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsfTK5MCaAleZhErSobX_428DGgSE-2dumAq526kczMFhBwObSdUIEmp5THdV-fV59OS316U8o2734aRimpCakX0tdQMeA1MTZLyYuW4Rx9tCrwHCuLTYf17Sny-cGxUHfCvS3ciFnRLI/s1600/centro+cultural+do+cabula.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsfTK5MCaAleZhErSobX_428DGgSE-2dumAq526kczMFhBwObSdUIEmp5THdV-fV59OS316U8o2734aRimpCakX0tdQMeA1MTZLyYuW4Rx9tCrwHCuLTYf17Sny-cGxUHfCvS3ciFnRLI/s320/centro+cultural+do+cabula.jpg" width="320" /></a></div>
<b><br /></b>
<b>Pendurei o casaco e o guarda-chuva no gancho, sentei na cama de baixo do beliche com a mala no colo e olhei ao redor. A cabine era confortável, tinha duas vidraças estreitinhas cobertas com lona parda, vedando a noite chuvosa lá fora.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Nas outras camas, ressonavam pessoas estranhas, viradas para a parede, dormindo ou fingindo dormir. Ninguém estava a fim de conversar, era evidente. Deitei e imitei os demais, virando também para o canto.</b><br />
<b><br /></b>
<b>A insônia, entretanto, me fez entreabrir a cortina, um fiapinho de luz não faria tanto mal. </b><br />
<b><br /></b>
<b>A paisagem que passava rápida lá fora, entretanto, era tenebrosa demais! As árvores negras se sucediam sacudindo-se e retorcendo os galhos ao vento, enquanto relâmpagos acendiam o céu e mostravam os precipícios na borda da estreita linha pela qual o trem corria. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Durante os clarões era possível perceber o quanto a nossa vida era frágil e o quanto corria riscos, equilibrando-se trepada na beira do abismo daquele jeito. Mas os outros passageiros dormiam, ou fingiam dormir, indiferentes.</b><br />
<b><br /></b>
<b>E o trem seguia, rompendo a tempestade, chacoalhando os vagões feito um rosário de caveiras. O único ruído era o seu tloc tloc nos trilhos: trovões certamente ribombavam lá fora, mas não logravam romper a vedação das vidraças. Só se viam os relâmpagos medonhos, cortando o céu de lado a lado.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Eu não sei porquê, mas foi me dando um aperto esquisito no peito. Aquela chuva, aquela correria do aço rasgando a noite no meio, aquelas pessoas mudas... Eu senti medo.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Medo de estar viajando no tempo, numa outra vida minha lá atrás, de ainda estar no tempo do golpe. De ainda ser alguém que fugia de alguma coisa, sem saber para onde aquela estrada estaria me levando. Nem se eu conseguiria chegar ao meu destino a salvo, ou se teria que fugir para sempre. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Aquilo foi me afetando tanto os nervos que tive que levantar e sair da cabine, para ver se havia gente acordada, escutar vozes, saber onde estávamos, conferir o relógio, fumar um cigarro talvez.</b><br />
<b><br /></b>
<b> Era de madrugada e a viagem ainda estava no meio. Chegaríamos na capital por volta das oito da manhã, ia depender da chuva, e de outras tantas condições igualmente aleatórias, me </b><b>explicou </b><b> a custo um guarda sonolento.</b><br />
<br />
<b>Seria o caso de fumar um cigarro, mas lembrei que eu havia largado, então voltei para a cabine, evitando olhar a chuva lá fora. </b><b>Tentaria dormir.</b><br />
<b><br /></b>
<b>foto: Centro Cultural do Cabula</b>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-55953190554009260012012-04-22T04:38:00.001-07:002017-08-14T10:43:02.053-07:00RECOMEÇAR <br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHtTTVev3uLXo0Z1DPvDRSpdw-KwLZyr-BBPnECUwct73mygrzCI3EfKM79plg9ixgufH7LP6cclKd6D4qGk4xWb3nCbr59gY_wgIth0lXT_y5Fy5LSyIbvpLHR5GD7dZpS3h8PfA5LN0/s1600/xilo_fernandaozilak.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="224" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHtTTVev3uLXo0Z1DPvDRSpdw-KwLZyr-BBPnECUwct73mygrzCI3EfKM79plg9ixgufH7LP6cclKd6D4qGk4xWb3nCbr59gY_wgIth0lXT_y5Fy5LSyIbvpLHR5GD7dZpS3h8PfA5LN0/s320/xilo_fernandaozilak.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b>
<b><br /></b>
<b><i>"Não há bem que sempre dure nem mal que nunca apareça"...</i></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>Quando a gente está certa de que TUDO vai da melhor maneira possível, o imponderável acontece. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Vem a tragédia, vem a catástrofe, vem o naufrágio, vem a separação, vem a ruptura, vem a quebra da bolsa, vem o golpe de estado, vem o confisco da poupança, vem o bicho-papão, sei lá. Mas vem. E lá ficamos nós, com aquela cara atônita, contemplando impotentes o rol dos danos materiais e/ou físicos e/ou espirituais. </b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>A carne é fraca. </b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>Tem gente que se desespera de vez: se mata, se pincha, desiste, larga mão de tudo. Mas tem gente que encontra forças para sentar na beira da calçada, respirar fundo, apegar-se àquela "alguma coisa" lá no no âmago e tentar ver o lado positivo da coisa. . Zen demais pro teu gosto? Talvez...</b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>Mas vamos admitir que MUITA situação que estava rolando por aí talvez (ou certamente) não era lá TÃÃÃO perfeita assim? </b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>Pense naquele empregão que você tinha, onde você representava talvez bem menos do que a mobília, e onde o comando era exercido por qualquer anta semi-analfabeta porém bem relacionada, ou por qualquer peguete da vez, do vestidinho curto e que resolvesse os problemas do mundo na horizontal, enquanto você ralava, chegava na hora e saía mais tarde para dar conta do recado... </b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>Aquele casamentão que você mantinha há séculos, tão requentado, tão remendado, mantido a duras penas só para provar sabe-se lá o quê sabe-se lá a quem: pelo prestígio, pelo status, pela vergonha de admitir que se fez uma escolha porca, pelo simples medo da solidão (como se o que você tem agora dentro de casa pudesse ser chamado de companhia...) ou em benefício dos filhinhos, aqueles lindinhos com piercings e tatuagens até na alma, que não dão um tostão furado por você... Ah vá.</b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>Pense bem no que está ocorrendo hoje em dia, quando não vemos mais os nossos amigos de infância, nem da adolescência, quando não conhecemos mais as pessoas que moram no mesmo andar do nosso prédio, a quem mal e mal cumprimentamos no elevador ao subir ou descer dos nossos quadradinhos. </b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>Ficamos girando num eterno shopping center, cercados de vidros límpidos por todos os lados, como peixes num aquário, olhando e sendo olhados, filmando e sendo filmados, seguros, limpos, tranquilos como peixinhos num cardume. Sem contato visual com as outras pessoas, sem falar com estranhos, sem interagir com ninguém. Comendo a ração da moda, vestindo a roupinha da moda, sentindo as emoções da moda.</b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>E quando a internet representa a desesperada tentativa de estabelecer vínculos, com gente que você nunca viu e talvez nunca veja. Gente sem cheiro, sem sabor, sem endereço, ocupando o status de amigo, aquela posição antes reservada para quem ouvia as nossas confissões mais íntimas e escabrosas sem nos julgar, partilhava das nossas muitas dores e das nossas muitas alegrias, dividia a merenda com a gente... Já era!</b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>Eu me pergunto: será tão difícil jogar tudo pro alto e recomeçar do zero?</b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b><br /></b></div>
<div style="font-family: arial; font-size: small;">
<b>FOTO: FEOZZY</b></div>
Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-38511240441047925942012-04-03T12:47:00.005-07:002018-02-05T01:17:11.102-08:00CARA DE PAU, EU?<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOFcwjexKFyl6WwnsJ7ps_9LLCmNTOoVh0Y_dGgBD_CfAfOw5fiyO162M4y_nzoZ5LH1l4j4oPAB1JIAu3CvIxfaq24a9CNwN31hYjxVidn315nGnZwNPgUiHd_wuJUOO55IXptGP-GMM/s1600/abajur.jpg" style="font-size: 100%;"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5727266450745545666" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOFcwjexKFyl6WwnsJ7ps_9LLCmNTOoVh0Y_dGgBD_CfAfOw5fiyO162M4y_nzoZ5LH1l4j4oPAB1JIAu3CvIxfaq24a9CNwN31hYjxVidn315nGnZwNPgUiHd_wuJUOO55IXptGP-GMM/s320/abajur.jpg" style="cursor: hand; cursor: pointer; float: left; height: 320px; margin: 0 10px 10px 0; width: 240px;" /></a><br />
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<li class="uiUnifiedStory uiStreamStory genericStreamStory aid_Array uiListItem uiListLight uiListVerticalItemBorder" ft="{"src":9,"sty":7,"actrs":"615581169","pub_time":1333212816,"fbid":"10150698877366170","s_obj":7,"s_edge":1,"s_prnt":6,"ft_story_name":"StreamStoryAddPhotos","displayPids":[9337770],"filter":"profile"}" id="stream_story_4f7b544f3c3d26584656290"><div class="storyContent">
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<h6 class="uiStreamMessage" ft="{"type":1}">
<span class="messageBody" ft="{"type":3}" style="font-size: small;">Vegetarianismo + Tai Chi Chuan + Hidroginástica + Caminhadas = Sangue Frio. Também conhecido como "sangue de barata", ou covardia no duro. Esta sou eu, uma das pessoas mais mornas que a terra há de vomitar. </span></h6>
</div>
</div>
</div>
</div>
</li>
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<span class="messageBody" ft="{"type":3}" style="font-size: small;">Eu conto tudo.<br /><br />Dia desses, passando defronte a uma lojinha de artigos para iluminação ali nas proximidades do Largo de Pinheiros, lembrei que precisava de uma lâmpada para o meu abajur da sala. Lampadinha comum, daquelas amarelas, que a branca me dá má impressão, a sala fica parecendo necrotério.<br /><br />Pois bem, o preço da lâmpada era R$ 2,00. Contei minhas moedinhas, não dava. Então coloquei uma cédula de R$ 20,00 sobre o balcão. Para quê?!<br /><br />O homem (gerente, dono, sei lá) virou uma fera! Colocou a mãozona quase que relando na minha cara e, fazendo movimentos circulares, dizia:<br /><br />- Essa é a freguesa cara de pau! Me traz óleo de peroba aí, gente, mode eu alimpar a cara da freguesa cara de pau!<br /><br />Gente...<br /><br />Eu fiquei muda, tesa, passada. Que ultraje. Me correu um trem ruim dentro das veias, pensei em mil coisas. Respondo? Não respondo? Reajo? Não reajo?<br /><br />Não reagi. Catei a notinha de vinte do balcão e saí com o rabinho no meio das pernas, fui afogar meu stress na piscina aquecida do SESC.<br /><br />Dias e dias depois, o nó na goela continua aqui. Evitei um confronto, evitei um escândalo, evitei um processo talvez, fui Zen, segui os princípios do Tai Chi... mas confesso que tive muita vontade de torcer o pescoço daquela anta. </span></h6>
</li>
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<span class="messageBody" ft="{"type":3}" style="font-size: small;">O que você faria?</span></h6>
</li>
</ul>
Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-82025821226034946482011-12-25T03:33:00.000-08:002018-02-05T01:29:04.185-08:00A JANELA ANTIGA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilMhkua1FdV00xl7M74Eo5yt2162KgdEdoQFv8UKMd-drnBSAuKfKSuo_kORxVlUI4f5hD5ibVziZ1AaRMnnzoUKusxQ6hsfk2Dg5lPLelfwfXUF4AgANW4JcR9WSA3o66sx8UrzmjvW4/s1600/ruaxavierdetoledo150x.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilMhkua1FdV00xl7M74Eo5yt2162KgdEdoQFv8UKMd-drnBSAuKfKSuo_kORxVlUI4f5hD5ibVziZ1AaRMnnzoUKusxQ6hsfk2Dg5lPLelfwfXUF4AgANW4JcR9WSA3o66sx8UrzmjvW4/s320/ruaxavierdetoledo150x.jpg" /></a></div>
<b><br class="Apple-interchange-newline" />Nos anos setenta eu trabalhei no centro da cidade, num prédio encostado ao local onde mais tarde foi construída a Estação Anhangabaú do metrô.</b><br />
<br />
<b>Da janela da minha seção, durante as longas horas de serviço, eu ficava observando um prédio muito antigo, do outro lado da rua.</b><br />
<b><br /></b>
<b>No segundo andar havia um balcão e uma flor vermelha plantada numa lata de óleo. Ali morava uma velhinha muito velha, com um gato amarelo.</b><br />
<b><br /></b>
<b> Nunca vi ninguém além dela ali naquele balcão: era ela que regava a flor, todas as manhãs. E todas as tardes ela ficava ali olhando o movimento da rua, com o gato no colo. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Sábados e domingos eu não sei, pois eu só voltava na segunda-feira...</b><br />
<b><br /></b>
<b>O tempo passou, eu fui mudando de emprego, mas num dia de Natal voltei ao centro da cidade - dessa vez de metrô, pela Linha Vermelha - e tive a alegria de ver o prédio antigo, encravado entre dois outros edifícios. Estava meio abandonado, sujinho, pichado, porém ali firme. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Olhei para o segundo andar, como fazia antes. A janela alta estava fechada, e acho que ninguém mais morava ali. Não vi a lata de óleo nem a flor, nem as luzinhas que a velhinha pendurava nos ferros nessa época. Nada.</b><br />
<b><br /></b>
<b>Uma tristeza besta me entrou no peito, e escrevi um poeminha.</b><br />
<i><b><br /></b></i>
<i><b>A JANELA ANTIGA</b></i><br />
<i><b><br /></b></i>
<i><b>Tinha uma janela antiga<span id="goog_1753877789"></span><span id="goog_1753877790"></span></b></i><br />
<i><b>num prédio também antigo,</b></i><br />
<i><b>daqueles que havia antes</b></i><br />
<i><b>- não tem mais.</b></i><br />
<i><b><br /></b></i>
<i><b>Tinha um balcão e uma flor</b></i><br />
<i><b>plantada na lata de óleo</b></i><br />
<i><b>e bandeirinhas coloridas</b></i><br />
<i><b>- não tem mais.</b></i><br />
<i><b><br /></b></i>
<i><b>Tinha uma senhora velhinha,</b></i><br />
<i><b>morando ali com seu gato </b></i><br />
<i><b>e as lembranças da vida</b></i><br />
<i><b>- não tem mais.</b></i><br />
<i><b><br /></b></i>
<i><b><a href="http://www.saopauloantiga.com.br/edificio-rua-xavier-de-toledo-150156/">foto: site São Paulo Antiga</a></b></i><br />
<i><b><br /></b></i>
<i><b><br /></b></i>
<i><b>agosto 2007</b></i>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-37693087842975208092011-08-30T04:41:00.001-07:002016-12-23T03:41:41.955-08:00UM RAMINHO DE ALECRIM<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEibKakVG-Ltj1thEnutCQweCvFWjOH28Q33lba71iloP48iLJr3Mjjb4jQWL17tUsFFAMZ9qvkvTDzI8UAAHxLGcUCHfmHrbIechRKcfLwoGSoLFR3r4IElz9v-Y999NTwVyhVSgjzgbuA/s1600/alecrim.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5646608988565210834" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEibKakVG-Ltj1thEnutCQweCvFWjOH28Q33lba71iloP48iLJr3Mjjb4jQWL17tUsFFAMZ9qvkvTDzI8UAAHxLGcUCHfmHrbIechRKcfLwoGSoLFR3r4IElz9v-Y999NTwVyhVSgjzgbuA/s320/alecrim.jpg" style="cursor: pointer; float: left; height: 232px; margin: 0pt 10px 10px 0pt; width: 320px;" /></a><br />
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<strong><br /><br />Fuçando no baú da memória, acabam-se redescobrindo coisas e pessoas que se julgavam sumidas no tempo e no espaço das incontáveis mudanças, tanto geográficas quanto pessoais.<br /><br />Há gente morta que renasce, garimpada do esquecimento por causa de um objetinho qualquer: um cartão postal, uma fotografia amarelecida, um raminho seco, um laço de fita, uma entrada de cinema...</strong><br />
<br />
<strong>Por exemplo, aquele meu tio tão querido, que acabou perdendo o juízo por questões meio obscuras, meio adivinhadas como sendo mal de amor. Ele não tinha mais nada além de uma violinha velha e uma caixinha de moedas antigas, do tempo dos reis, que ele guardava ciumento debaixo da cama de solteiro, mas era um ser fundamental na nossa casa e na nossa vida.<br /><br />O meu tio era um homem moreno e miúdo, do cabelo crespo repartido de banda, sempre de camisa branca e largas calças escuras, Calçava alpargatas, nas minhas lembranças - seu visual estaria na última moda, hoje em dia.</strong><br />
<br />
<strong>Por pura bondade e certamente por falta de opção, o meu tio tomou para si as tarefas de cozinhar e de cuidar de nós três, as sobrinhas pequenas e órfãs de mãe.<br /><br />Cuidava com devoção da nossa cozinha. Era mestre em bolinho de chuva e pão de queijo, e alegrava o mundo com o perfume das suas broinhas de fubá.<br /><br />Com a ajuda do tio, íamos aprendendo a conta-gotas a lidar com os trens de cozinha, e</strong><strong> o aprendizado avançava lentamente, conforme a gente crescia, os detalhes se somando dia após dia. </strong><strong><br /><br />Cabaça, cuia, gamela, peneira de taquara, panelas de pedra-sabão e de ferro. Ariar o tac</strong><strong></strong><strong>ho com cinza do fogão a lenha e lavar a vela do filtro com açúcar cristal. </strong><br />
<strong><br /><br />Lavar o arroz sem derrubar muitos grãos no ralo da pia, escolher feijão em cima da toalha branca da mesa, socar a pimenta do reino no embrulhinho do canto pano de prato, temperar a carne moída para encher linguiças, pendurar as linguiças recém-recheadas no fumeiro.<br /><br />Depenar, abrir e cortar o frango direitinho, nas juntas certas. Limpar a moela, tirar a bile do fígado, temperar e cozinhar o frango na panela de ferro.<br /><br />Fazer doce no tacho de cobre, mexendo sem parar com a grande colher de pau. Doce de leite, doce de abóbora, de amendoim, de cidra. Depois de frio, cortar de quadradinhos, talhando losangos e retângulos no tabuleiro de madeira. Mistérios quentes cheirando a cravo e canela...</strong><strong>Além da cozinha, o tio cuidava da nossa aparência: as três de cabelinho cortado em forma de cuia - mais fácil de desembaraçar - orelhas limpas, unhas aparadas, uniforme completo na hora da escola e o esmero da roupinha colorida do domingo. Dia de missa, missa das sete, comunhão. Dia de ver Deus.</strong><strong><br /><br />Basta um cheiroso raminho de alecrim para viajar através no tempo até um remoto dia Treze de Maio, em que o meu tio me assistia da platéia enquanto eu declamava um poema de Castro Alves, chamado "A Cruz da Estrada". O poema começava assim:</strong></div>
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<span style="font-style: italic; font-weight: bold;">"Caminheiro que passas pela estrada,</span></div>
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<strong><span style="font-style: italic;">Seguindo pelo rumo do sertão,</span><br /><span style="font-style: italic;">Quando vires a cruz abandonada,</span><br /><span style="font-style: italic;">Deixa-a em paz dormir na solidão.</span><br /><br /><span style="font-style: italic;">Que vale o ramo do alecrim cheiroso</span><br /><span style="font-style: italic;">Que lhe atiras nos braços ao passar?</span><br /><span style="font-style: italic;">Vais espantar o bando buliçoso</span><br /><span style="font-style: italic;">Das borboletas, que lá vão pousar." ...</span></strong><br />
<strong><span style="font-style: italic;"><br /></span></strong>
<strong><span style="font-style: italic;"><br /></span></strong>
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<strong><span style="font-weight: bold;">Ainda bem que eu tenho memória e que ela tem um raminho de alecrim. Sorte minha que não houve só pedras no caminho - pelo contrário! Tem muita coisa boa para lembrar.</span></strong><br />
<strong><span style="font-weight: bold;"><br /></span></strong>
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<span style="font-weight: bold;">Foto: <a href="http://www.google.com/imgres?imgurl=http://www.minhaumbanda.com.br/wp-content/uploads/2010/09/alecrim.jpg&imgrefurl=http://www.minhaumbanda.com.br/2010/09/02/voce-conhece-o-alecrim/&usg=__X5705U2CKbWICsaWiBUJpanRddI=&h=232&w=320&sz=31&hl=en&start=12&sig2=gypnl5MZzekAgL2EvKWipg&zoom=1&tbnid=RZOGtjoHrw1XLM:&tbnh=142&tbnw=191&ei=ystcTvzZNI6XtweYvbHcAw&prev=/search%3Fq%3Dalecrim%26um%3D1%26hl%3Den%26client%3Dgmail%26sa%3DN%26rls%3Dgm%26biw%3D1367%26bih%3D461%26tbm%3Disch&um=1&itbs=1&iact=hc&vpx=327&vpy=148&dur=1632&hovh=185&hovw=256&tx=142&ty=102&page=2&ndsp=14&ved=1t:429,r:8,s:12">Alecrim</a></span><br />
<strong><span style="font-style: italic;"></span></strong></div>
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Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-5080685057837758932011-08-07T05:58:00.000-07:002017-03-29T15:40:52.748-07:00CONTO DE OUTONO<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBQZ62wpqi9xJqE_piSt9wLqVy4uV6R1wrZcPuEJn-ilv9GFpE5SUHinu_Y8upokEoQTh8hxHBaLIfjlFm2U_vuMors7sIpheY1MAul2FgDt_oOaz-sc9xaba79QUhb8eTlMc2UOOfm8M/s1600/Joan+Breckwoldt.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5638118112050755442" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBQZ62wpqi9xJqE_piSt9wLqVy4uV6R1wrZcPuEJn-ilv9GFpE5SUHinu_Y8upokEoQTh8hxHBaLIfjlFm2U_vuMors7sIpheY1MAul2FgDt_oOaz-sc9xaba79QUhb8eTlMc2UOOfm8M/s320/Joan+Breckwoldt.jpg" style="cursor: pointer; float: left; height: 320px; margin: 0pt 10px 10px 0pt; width: 318px;" /></a><br />
<span style="font-weight: bold;"><br />Toda manhã de domingo ele ia à missa, religiosamente. Confessava, comungava, participava das atividades da igreja. Na volta, passava na padaria, trazia o pão e o leite, sentava-se sozinho à mesa da cozinha e lia até a família acordar, bebendo café e ouvindo rádio baixinho.</span> <span style="font-weight: bold;"><br /><br />Um domingo, ele não se levantou da cama até as 8 da manhã, o que chamou a atenção da esposa, mulher metódica e exigente.</span> <span style="font-weight: bold;"><br /><br />- Você não está bem? E a missa? E o pão? E o leite?</span><br />
<br />
<span style="font-weight: bold;">Então ele se levantou, banhou-se, vestiu seu melhor traje e saiu de casa tranquilamente, dizendo que ia comprar cigarros. E nunca mais voltou.</span> <span style="font-weight: bold;"><br /><br />Tinha uma amante. </span> <span style="font-weight: bold;"><br /><br />Tinha planejado tudo, dia após dia, noite após noite, enquanto cumpria todas as numerosas obrigações de marido dedicado, excelente pai de família e cristão praticante. </span> <span style="font-weight: bold;">Alugou um apartamento quitinete no centro da cidade, com vista para o vale do Anhangabaú. Era bem pequeno, verdade, para quem morou quase que a vida inteira em casa grande, mas para dois bastava. Os móveis - pouca coisa, o básico - ele comprou de segunda mão: um fogãozinho de duas bocas, um jogo de quarto, uma mesinha e duas cadeiras, estava pronto o ninho de amor. </span> <span style="font-weight: bold;"><br /><br />- A vida dá muitas voltas, você não acha?</span> <span style="font-weight: bold;"><br /><br />Ele começou a vida como office-boy na mesma empresa onde chegou a chefe de departamento. Aposentou-se no ano anterior, 1984, e foi aí que as intrincadas tensões familiares chegaram ao ponto de saturação: não aguentava mais a indiferença egoísta da mulher e muito menos malcriação dos filhos, gente moderna e sem um pingo de amor no coração.</span> <span style="font-weight: bold;">Não suportava aquela vida vazia de velho inútil, relegado ao desprezo do sofá ou ao solitário banco da igreja durante a missa de domingo. Sentia-se vivo ainda!</span> <span style="font-weight: bold;"><br /><br />Naquele outono de 1984, portanto, ele voltou a viver.<br /><br />Sentiu-se amado da Zilda, que lhe era eternamente grata por ele tê-la tirado de uma situação semelhante. Ela também fora casada, ela também teve marido e filhos e filhas, todos (mal)criados e ausentes.</span> <span style="font-weight: bold;"><br /><br />Conheceram-se num banco de jardim, e resolveram tramar um futuro diferente. Quem sabe daquela vez...</span><br />
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<a href="http://joanbreckwoldt.blogspot.com/2008_04_01_archive.html">foto: Joan Breckwoldt</a>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-30579021635519288462011-07-25T05:44:00.001-07:002022-10-14T10:23:29.278-07:00O COITADO<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiX0btRrD26cD6UUCctrpxVNMdvts3yEGeUeOhY6dp4SV3UnvQM0IT7t3h4I_R3Zcw7bXJLWRoTJtvU5cfhNFdSzfT95JDKdJHYvExaJFSfsQAI8Hao9B7gZdQf62fvQhO1LYC1T8HL3FQ/s1600/CENA+URBANA+GREGORIO+GRUBER.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5633311889837032914" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiX0btRrD26cD6UUCctrpxVNMdvts3yEGeUeOhY6dp4SV3UnvQM0IT7t3h4I_R3Zcw7bXJLWRoTJtvU5cfhNFdSzfT95JDKdJHYvExaJFSfsQAI8Hao9B7gZdQf62fvQhO1LYC1T8HL3FQ/s320/CENA+URBANA+GREGORIO+GRUBER.jpg" style="cursor: hand; float: left; height: 262px; margin: 0px 10px 10px 0px; width: 320px;" /></a><br />
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<b>Todo mundo sabia que o Anderson traía a Cleide, menos ela. </b></div>
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<b>Aquelas demoras, aqueles serviços de fim-de-semana. As desculpinhas esfarrapadas que ele sempre dava ao interromper um almoço em família ou levantar correndo no meio da noite, depois de atender o celular. Era a clientela chamando, fazer o quê?</b></div>
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<b>Todo mundo sabia que só podia ser traição das brabas, mas a coitada da Cleide não acreditava. Para ela, o marido era um santo. "Trabalha dia e noite naquele táxi, feito um escravo, coitado." Ou então: "Não sabe recusar um serviço, coitado". </b></div>
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<b>Despedindo o coitado no portão, Cleide se recolhia à sua vidinha besta de viúva de marido vivo.</b></div>
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<b>Ela ligava a TV de manhã cedinho e deixava o aparelho ligado o dia inteiro, para lhe fazer companhia enquanto cuidava da casa, lavava, passava, fazia a janta e deixava o prato do marido arrumado em cima do fogão. Ele podia chegar com fome, coitado...</b></div>
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<b>Só então sentava-se no sofá solitário, pegava o tricô eterno e prestava atenção na TV ligada. Sempre assistia o jornal antes da novela.</b></div>
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<b>Foi exatamente no noticiário - antes da novela - que ela viu um sujeito no interior de um táxi que saía de um motel, e que tentava acessar a rodovia. Ia todo pimpão, aos beijos com uma loira de farmácia. </b></div>
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<b>O repórter falava sobre um acidente medonho, ocorrido na Marginal do Tietê, que uma carreta tombou atrapalhando o trânsito e não sei que lá mais...</b></div>
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<b>Num close, Cleide pode ver nitidamente a placa do veículo e a cara do safado: era o Anderson! </b></div>
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<b>- Cachorro!</b></div>
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<b>Ao chegar em casa, tarde da noite, o taxista estranhou o silêncio. Chamou a esposa, farejou os três pequenos cômodos e finalmente deu com o bilhetinho desaforado, pregado na tela da TV:</b></div>
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<b>" Procura a tua janta na casa da loira. " </b></div>
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<b>foto: "Cena Urbana" - Gregório Gruber</b></div>
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Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-76463025310080801212011-05-28T05:54:00.000-07:002011-05-28T17:35:13.134-07:00QUEM CANTA...<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMxnYtxYZE9e9jar-iNZMxAgFePLl-BsVdGfmeDQ96QtJI5nGCxy1NEndvQB5dNYmDzP94L0us1oxHCJSewPJIfcHjuTsMW_lRwScuWxsc3to6ms9NSLCo9x-fDYr9PA1z6qgLhs-Jnrc/s1600/escher-drawinghands.jpg"><img style="MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 320px; FLOAT: left; HEIGHT: 277px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5611929486907330354" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMxnYtxYZE9e9jar-iNZMxAgFePLl-BsVdGfmeDQ96QtJI5nGCxy1NEndvQB5dNYmDzP94L0us1oxHCJSewPJIfcHjuTsMW_lRwScuWxsc3to6ms9NSLCo9x-fDYr9PA1z6qgLhs-Jnrc/s320/escher-drawinghands.jpg" /></a><br /><br /><div><strong></strong></div><br /><br /><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong>Ainda na infância, quando Clarice devia ter uns dez, onze anos, a coisa foi ficando bem clara: ela só podia ser de outro planeta. Tudo nela, seu gosto, suas habilidades, seus desejos desde os mais simples até os mais profundos, TUDO nela era classificado pela mãe como besteira. Futilidade, inutilidade, não serviria para nada mesmo. Fogo de palha.<br />O violão, que Clarice ganhara da madrinha no seu 10º aniversário, jazia encostado num canto do quarto, dentro da capa de plástico preto, juntando poeira. A menina até que tentara, burlando a vigilância ideológica da mãe, aprender os primeiros acordes. Que as aulas eram dadas de graça, na Paróquia. Que outras meninas da rua iam, ela não estaria sozinha. Nada adiantou, e o violão foi relegado ao canto, junto de outros tantos projetos frustrados, de outras vocações boicotadas, de tantos outros sonhos sufocados. Desde a boneca de louça com a cara quebrada - consertar para quê, se ia acabar quebrando outra vez? - ou do estojinho de tintas e pincéis que comprara com o próprio dinheiro. Curso de aquarela? Pra que isso, Clarice? Essa menina só inventa moda...<br />Na adolescência não foi diferente. Nascida em família de poucos recursos, Clarice, no entanto, tinha a (in)felicidade de ter altos sonhos. Sonhou ser música, ser atriz, ser bailarina. Reprovada no sonho infantil do violão, ainda arriscou aprender uns poucos acordes no piano do vizinho rico. Bobagem! Ela foi é imediatamente matriculada na droga de um curso noturno de datilografia, isso sim, alguma coisa útil na vida de uma mocinha. Mais tarde, certamente deveria fazer o curso de estenografia, pois naquele tempo todas as boas secretárias eram exímias datilógrafas e estenógrafas competentes.<br />E assim foi com os seus sonhos de juventude, assim com a escolha da carreira universitária - uma coisa tão desnecessária - até que Clarice finalmente chegou à idade adulta. Financeiramente bem sucedida, ela já podia desfrutar do luxo de morar sozinha, num apartamento localizado estrategicamente distante da casa dos pais. Liberdade, ainda que tardia. </strong><strong>Clarice finalmente morava sozinha, e podia se dedicar a tudo que quisesse na vida, sem censuras, sem podas.<br />Primeiro foi o cursinho de dança de salão. Tímida, um pouquinho desengonçada, ela experimentou uma espécie de vertigem quando deu as primeiras voltas no salão, levada com perícia pelos hábeis braços do professor: salsa, merengue, bolero, cha-cha-cha. Quantos ritmos diferentes, quanta sonoridade! Quanta liberdade!<br />Depois veio o canto, no coral que começara a frequentar todas as quartas-feiras, depois do trabalho. Quem canta seus males espanta. Os males, as tristezas e os muitos fantasmas da infância.</strong></div><br /><div><strong></strong></div><br /><div><strong><a href="http://http//vera-adoroisso.blogspot.com/2009/05/maurits-cornelis-escher-hoanda-1898.html">foto: Escher</a></strong></div>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-2048388332979803982011-05-01T06:49:00.001-07:002021-10-13T19:34:49.795-07:00O SONHO DA DINORÁ<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7Q-x0SUk4vuzTqXHnmXION49mtfEVlWemf1uUuoDDd8z4SI5H5XuJ-7rOIoB4qt8CWBtJk85BTmdfsE0WVrmxTmpSHSHItuvy_XD6DR5cn48S1L6dnv-JrJvhIZt2vsLfhuTjqkuqOlQ/s1600/bebedouro_glaucia+goes.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5601758718096847650" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7Q-x0SUk4vuzTqXHnmXION49mtfEVlWemf1uUuoDDd8z4SI5H5XuJ-7rOIoB4qt8CWBtJk85BTmdfsE0WVrmxTmpSHSHItuvy_XD6DR5cn48S1L6dnv-JrJvhIZt2vsLfhuTjqkuqOlQ/s320/bebedouro_glaucia+goes.jpg" style="cursor: hand; float: left; height: 320px; margin: 0px 10px 10px 0px; width: 240px;" /></a><br />
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<strong><span style="color: red;">"EU VOU TER UMA CASA COM VARANDA" </span></strong></div>
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<strong><br /></strong><div><strong><br /></strong></div><div><strong><br /></strong></div><div><strong>A frase, escrita em letras de forma num quadradinho de cartolina colado à cabeceira da cama, passou a funcionar como uma espécie de mantra. Toda noite, antes de fechar o Neruda e apagar a luz do abajur, Dinorá lia as palavras que desenhou com caneta hidrográfica vermelha: </strong><br />
<strong><br /></strong>
<strong><span style="color: red;">"EU VOU TER UMA CASA COM VARANDA"</span>. </strong><br />
<strong><br /></strong>
<strong>Dormia pensando nisso, e alguma vez chegou a sonhar que tinha conseguido comprar a casa. Via o telhado vermelhinho, as janelas pintadas de azul. A varanda com seus vasos de samambaia e antúrios. </strong></div><div><strong><br /></strong></div><div><strong>De manhã, antes de pular da cama, ela lia a frase, ainda uma vez. Esperava.</strong></div><div><b><br /></b>
<strong>Tomava o seu café preto solitário, </strong><strong> antes de seguir para o empreguinho besta na editora. </strong><strong>Então respirava fundo e subia os degraus que a separavam da rua, pegava o metrô lotado e ia cuidar da vida. </strong><br />
<strong><br /></strong><strong> Eram oito estações.</strong><br />
<strong><br /></strong>
<strong>Olhando a paisagem monótona recortada através dos vidros de aquário do vagão, Dinorá prosseguia na construção do seu projeto de vida. Um dia ela ainda ia comprar uma casa com varanda, bem batida de sol e com um pequeno jardim na frente, onde plantaria um pezinho de pitanga. Ou de romã. Nos galhos, ia pendurar um bebedouro para atrair passarinhos. Assim teria sempre a casa aquecida pelo sol e passarinhos cantando na janela. Chegava até a sorrir, sozinha.</strong></div><div>
<strong><br /></strong>
<strong>"Estação Luz. Desembarque pelo lado direito" </strong><br />
<strong><br /></strong>
<strong>Dinorá mergulhou na corrente, junto da multidão apressada. Era sempre assim naquele horário. Seguiu mais uma vez entre as caras desconhecidas rumo ao prédio cinzento fincado na divisa entre a Luz e o Bom Retiro, entre lojas, bordéis, hoteizinhos e botecos</strong> <strong>sombrios. </strong><br />
<strong><br /></strong>
<strong>Mas dali a dez horas ela voltaria a sonhar com a casa. E com a varanda.</strong><br />
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<br />
<strong><a href="http://www.flickr.com/photos/glauciagoes/2730428114/sizes/m/in/photostream/">foto: Bebedouro de Gláucia Goes</a></strong></div>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-12241722647637315292011-01-09T02:25:00.001-08:002021-10-13T19:18:44.896-07:00 OS JARDINS<div><strong><br /></strong>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiye-B4wq1GjtliMen9fqCeufL7N8P2Wl0Mm6UzFTavvmfHMqxR7mQW5WfJ5wAhn-kYTqMTaMCqD04XxM3qOyfOLtWFNurpbuPyRdcPG2s_JpCPX6xOSkrRYNoLcCRtbmtOwQ_lHzR1Y90/s4632/IMG_20200920_165451642.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3474" data-original-width="4632" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiye-B4wq1GjtliMen9fqCeufL7N8P2Wl0Mm6UzFTavvmfHMqxR7mQW5WfJ5wAhn-kYTqMTaMCqD04XxM3qOyfOLtWFNurpbuPyRdcPG2s_JpCPX6xOSkrRYNoLcCRtbmtOwQ_lHzR1Y90/s320/IMG_20200920_165451642.jpg" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><br /><strong><br /></strong>
<strong><br /></strong>
<strong>Nada me enternece tanto quanto os jardinzinhos proletários da periferia da cidade. </strong><strong>Jardins pequeninos, cultivados com carinho e imperícia, onde o espaço, cada vez mais exíguo, obriga o dono a concentrar os seus muitos sonhos em poucos metros quadrados, misturando em poucos metros quadrados diferentes espécies de plantas, desde flores, trepadeiras e arbustos até legumes, verduras e frutas.</strong></div><div>
<strong><br />É tocante de se ver, plantados em latas de óleo e blocos de concreto virados boca acima, tufos de florezinhas esquecidas de outros jardins: margaridas, cravos, dálias, beijos, brincos de princesa, tudo bordejado de hortelãs, alecrins e poejos. Na cerca, muitas vezes se pendura uma videira ou uma trepadeira de maracujás com as suas lindas flores roxas.</strong><br />
<strong><br /></strong></div><div><strong>E os indefectíveis girassóis...</strong><br />
<strong><br /></strong></div>
<div>
<strong>Ao passar por ali de manhã, certamente veremos uma mulher de avental estampado e lenço na cabeça, pelejando com os seus antúrios e roseiras, ou arrancando ervas daninhas, aguando suas plantas com a mangueira ou com o regador. Ou veremos um velhinho de bermuda e chinelos, suando enquanto ajeita um canteiro de cebolinha e de couves em volta das roseiras. Ou pendurando um bebedouro de passarinhos num galho de romã.</strong><br />
<strong><br /></strong></div>
<div>
<strong>De tardezinha, o casal estará ali sentado num banco do alpendre, esperando a noite chegar. Conversando sobre o que fizeram de bom durante o dia, ou durante a vida. Ou só curtindo o jardinzinho, sem pensar em nada, como deve ser.</strong><br />
<strong><br /></strong></div>
<div>
<strong></strong> </div>
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<strong></strong></div>
<div><br /></div>
Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-53115120992498689262010-11-21T03:51:00.000-08:002018-02-04T10:58:47.454-08:00O CIRCO<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipgxDS9DCLVZU0RfsZwPN4-9qi8-TDuh_hpE07svrJZaAK9dcV-Tv5D-vTGk9iZJYTiBDle-FTEe4jRMXsm4YsNwzRqEIftl-T-vSi67YYlFLL460YSS9v4Rmpg5etwwM0IUmY_1N_aRE/s1600/os+gemeos.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5541971504687178834" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipgxDS9DCLVZU0RfsZwPN4-9qi8-TDuh_hpE07svrJZaAK9dcV-Tv5D-vTGk9iZJYTiBDle-FTEe4jRMXsm4YsNwzRqEIftl-T-vSi67YYlFLL460YSS9v4Rmpg5etwwM0IUmY_1N_aRE/s320/os+gemeos.jpg" style="cursor: hand; display: block; height: 240px; margin: 0px auto 10px; text-align: left; width: 320px;" /></a><br />
<div>
<br />
<br />
<div>
<span style="font-weight: bold;">A cidade amanhecia em festa quando o circo chegava.</span></div>
<br />
<div>
<span style="font-weight: bold;">Os trapezistas, as dançarinas, os palhaços, os músicos e uma jaula com um leão velho e sonolento faziam seu desfile colorido pelas ruas, enquanto o diretor ia adiante, com um alto-falante à boca, convidando o povo boquiaberto para a função:</span></div>
<div>
<br /></div>
<span style="font-weight: bold;"></span><br />
<div>
<span style="font-weight: bold;">- Senhoooooras eeee senhoreeeees!</span><br />
<br />
<span style="font-weight: bold;">As fantasias multicoloridas se destacavam na paisagem empoeirada do interior, despertando as pessoas do seu torpor de domingo eterno com a alegre anarquia de palhaços e bumbos. </span></div>
<br />
<div>
<span style="font-weight: bold;">O circo chegou!</span></div>
<br />
<div>
<span style="font-weight: bold;">Formava-se então uma longa fila, que dobrava a esquina, subindo da rua de baixo até a rua da casa paroquial, </span><span style="font-weight: 700;">para comprar ingresso</span><span style="font-weight: bold;"> . O povo era capaz de deixar de comer, para ir ver o espetáculo. </span><span style="font-weight: bold;">Nós, crianças, entrávamos num estado de excitação suprema, pedindo dinheiro para os pais, quebrando porquinhos de barro, contando moedas.</span></div>
<br />
<div>
<span style="font-weight: bold;">O circo chegou!</span></div>
<br />
<div>
<span style="font-weight: bold;">Na hora do espetáculo, com um saco de pipoca na mão, sentávamos nos bancos mais altos, lá perto da lona antiga e salpicada de furos. De olhos arregalados, assistíamos as fantásticas peripécias dos trapezistas, que voavam no ar com aquela destreza inconcebível. O coração vinha na boca, a cada surpresa:</span><br />
<br />
<span style="font-weight: bold;">- Oooooooooh!</span><br />
<br />
<span style="font-weight: bold;">Muitos de nós, senão todos, um dia sonhamos largar para trás aquele nosso mundinho desenxabido, fugir de casa e entrar para o circo. A nossa vida haveria de ser tão venturosa, percorreríamos o mundo todo, anunciando em cada nova cidade a chegada da alegria e do sonho:</span><br />
<br />
<span style="font-weight: bold;">- Senhoooooras eeeee senhoreeeeees!</span><br />
<br />
<span style="font-weight: bold;">A verdade porém é que muitos de nós - senão todos - ficamos somente no sonho. Sem nunca sequer tentar realizar a façanha da nossa infância, crescemos para nossas vidas de adultos conformados na monotonia das nossas decisões tão sérias, onde vivemos tristonhos para sempre.</span></div>
<br />
<br />
<div>
<span style="font-weight: bold;"></span></div>
<br />
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<span style="font-weight: bold;">foto: <a href="http://www.tate.org.uk/modern/exhibitions/streetart/artists-osgemeos.shtm">Os gêmeos</a></span></div>
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<span style="font-weight: bold;"></span></div>
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<span style="font-weight: bold;"></span></div>
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Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-18034302520050043262010-10-18T05:33:00.000-07:002017-08-14T10:35:30.795-07:00FANTASMA DE MIM<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7YfdXLMGfnZkt029EDcD4xejbGTU-aImTTKRqOqdEwWfdIsHcYn4H4F-8CKWt7Hsb3yxg7Qz3-iwD7e4qIuQy3SMfPUvHKfwlW1lxF9FO6RiC3Ub0ZsDsyMSYlN4cnY751_7yc4eS3MY/s1600/bebado_sonhando_B%C3%A9atrix+Reynal.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5529381339779733218" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7YfdXLMGfnZkt029EDcD4xejbGTU-aImTTKRqOqdEwWfdIsHcYn4H4F-8CKWt7Hsb3yxg7Qz3-iwD7e4qIuQy3SMfPUvHKfwlW1lxF9FO6RiC3Ub0ZsDsyMSYlN4cnY751_7yc4eS3MY/s320/bebado_sonhando_B%C3%A9atrix+Reynal.jpg" style="cursor: pointer; float: left; height: 320px; margin: 0pt 10px 10px 0pt; width: 294px;" /></a><br />
<span style="font-weight: bold;">Você tá tão magro...<br /></span><br />
<span style="font-weight: bold;">Desse jeito maldoso, enfiando o dedinho na minha fraqueza, ela achou de colocar um fim em dez anos, três meses e dezenove dias de ausência.</span><span style="font-weight: bold;"> </span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;">Como se nos tivéssemos visto recentemente num shopping qualquer, ou numa praia qualquer no verão passado, algo assim.</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;">Não considerou, aliás não sabia e nunca vai querer saber disso, o que eu rodei por esse mundo feito um cachorro sem dono, comendo o pão que o capeta amassou com o rabo só prá tentar sobreviver. Um dia de cada vez, só por hoje, só por hoje. Na miséria. Sem casa, sem carro, sem emprego, sem amigos, sem família, sem razão. A bebida, a droga...</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br />Um fantasma, é o que eu acabei virando, uma porcaria de um fantasma.</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br />Ela ficou com tudo: a guarda da filha, o apartamento, o carro, a aprovação tácita e reconfortante da sociedade circunvizinha. Coitadinha dela... coitadinha dela. Ela foi a vítima, eu fui o vilão.</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br />Porque afinal era eu que bebia, eu que me drogava, era eu que aprontava. Enfim: fui eu que saí de casa, e me perdi de vez. OK.</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br />O Sistema. OK. </span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;">Finalmente, considerado uma ex-pessoa, morei aqui e ali, debaixo dum viaduto, duma ponte, num vão qualquer. Peguei doença, peguei micose, perdi dentes. Um fantasma, um ordinário dum fantasma.</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br />Apesar de ter sofrido - a vida me serviu dores em dose farta - de ter perambulado sozinho pelos cantos obscuros da cidade à busca de um nicho provisório que me abrigasse, de ter que desinventar o sofrimento com alguma panacéia para a tristeza de não ser mais gente, de não poder nem sequer ver a filha quando a noite vinha chegando, de certa forma fui feliz pelo avesso, sofrendo.</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br />Porque sofrendo eu senti que purguei bem paga a culpa, senti que expurguei a vergonha dos fracassos sucessivos, até que, no fim das contas, me senti leve outra vez. </span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;">Virado em fantasma, eu tinha pago com juros o ter sido um verme: por ter feito merda.</span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br />Mas não foi nada fácil encontrar com ela daquele jeito, no meio da rua, de surpresa, depois de tanto tempo. Magro sim, fedido sim e sem dentes, um fantasma de mim. 'Fiz luzes', ela disse. </span><br />
<span style="font-weight: bold;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold;">Dez anos, três meses e dezenove dias de ausência, e ela tinha feito luzes.<br /><br /><br />foto: Béatrix Reynal</span><span style="font-size: x-small;"><span style="font-weight: bold;"></span><br /></span>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-36739834315694766432010-05-03T06:42:00.001-07:002021-10-13T18:47:20.083-07:00DÓRIS PAZ E AMOR!<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjpQ9slnkfAh5pB6na6RJWp9tdpThNpekdfonYsbZkgrEpG7X7ykxOlRZyMeRgnVTnEWtVN6GMlzQJOJ2fiGHqo1JHFzmYpQRrxNj89euz-MI0GsMQOJ5K53P2HSjE5nyTGG1Lhd2R-JFw/s1600/peace+symbol.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5467034476062523810" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjpQ9slnkfAh5pB6na6RJWp9tdpThNpekdfonYsbZkgrEpG7X7ykxOlRZyMeRgnVTnEWtVN6GMlzQJOJ2fiGHqo1JHFzmYpQRrxNj89euz-MI0GsMQOJ5K53P2HSjE5nyTGG1Lhd2R-JFw/s320/peace+symbol.jpg" style="cursor: pointer; float: left; height: 250px; margin: 0px 10px 10px 0px; width: 250px;" /></a><br />
<b>Sou uma pessoa prática. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Acredito piamente na livre iniciativa, mas penso também que tudo aquilo que fazemos é só no intuito de obter prazer, aprovação, elogios, reconhecimento público ou privado, na nossa intrincada vida em sociedade. Não consigo conceber a virtude isolada, a ação sem reação, o automatismo absoluto do caráter. Quando estudo, estou querendo uma nota boa na prova. Quando trabalho até mais tarde, estou de olho num aumento de salário ou numa promoção. Quando faço carinho em alguém, logicamente espero que esse alguém me retribua, seja em gênero, número ou grau. Ou não é assim?</b><br />
<b><br />Não. Pelo menos não é assim para a Dóris, a minha linda, loira, malucona e feliz amiga Dóris.</b><br />
<b><br />Conhecemo-nos já faz bem uns quarenta anos, se não mais. Trabalhamos juntas no <i>call center</i> duma grande multinacional, num daqueles prédios de oitocentos andares, no centro da cidade. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Eram os anos 60, éramos novinhas, bonitinhas, magrinhas, alegrinhas, inteligentinhas, cheias de sonhos e ideais, cheias de amor para dar. E como dávamos!</b><br />
<b><br />Não vou aqui entregar a colega, falo por mim: eu pelo menos fazia exatamente o que me dava na telha, afinal era o <i>Women's lib, o make love not war,</i> etc e tal. Ser livre significava, então, imitar tudo que os meios de comunicação (leia-se os Estados Unidos) mandassem: vestir-se de <i>hippie</i>, fumar e beber e usar de um tudo, e trocar de parceiro quando sentisse vontade. (Paz e amor!)</b><br />
<b><br />Sobre a Dóris, só posso dizer que ela também era uma menina avançadinha, que vestia, fumava, bebia, usava e fazia tudo aquilo que acabo de citar. Eram os anos 60... Mas tudo passa, eu sei bem. </b><br />
<b><br /></b>
<div>
<b>O tempo passa, a moda passa, e vêm as inevitáveis mudanças físicas, acompanhadas das mudanças ideológicas. Nem ficava bem a gente aí zanzando pelas ruas, cheia de ruguinhas e cabelos brancos, tentando prolongar uma juventude e uma liberdade que já lá se foram. No mínimo ridículo, por anacrônico. Afinal eu estudei, me formei, tenho um cargo invejável numa multinacional, namorei e casei, sou uma dita cidadã respeitável, tenho filhos adolescentes. Não ficava bem.</b><br />
<b><br /></b></div>
<div>
<b>Mas a Dóris não pensou assim.</b><br />
<b><br /></b></div>
<div>
<b>Alguém me disse que a viu, na Paulista, ali perto do Trianon, sentada sobre um panão preto estendido na calçada, vendendo badulaques. Pulseiras, colares, essas coisas. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Curiosa, peguei o primeiro vôo com destino a São Paulo, emboquei na muvuca do metrô e saí à procura de Dóris. Você já perdeu alguém em São Paulo? Anda, vira, mexe, procura daqui, interroga de lá, acabei numa feirinha de antiguidades que tem em Pinheiros, na Praça Benedito Calixto. Famosa.</b><br />
<b><br /></b></div>
<div>
<b>E não é que achei a Dóris! Lindona, do alto dos seus "58 anos muitissimamente bem vividos", de oclão a la Janis Joplin, cabelão loiro solto nas costas, maravilhosa, e ainda devidamente trajada de hiponga, vendendo artesanato. Minha amiga Dóris.</b><br />
<b><br /></b></div>
<div>
<b>Abraçamo-nos num longo abraço apertado, ali no meio do povo, que passava prá lá e prá cá sem adivinhar que quarenta anos de inevitáveis diferenciações, de perdas e encontros, de fugas e descaminhos pelos igarapés e igapós da vida, estavam se apagando ali mesmo. </b><br />
<b><br /></b>
<b>Aquelas duas coroas ali viajavam (a seco) no tempo, para um passado mágico e distante, onde se usavam flores no cabelo e muito amor no coração.</b></div>
<div>
<b><br /></b></div>
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<b><a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Peace_symbols">foto: PAZ</a></b></div>
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<br /></div>
Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-24066283112179130172010-04-16T05:12:00.000-07:002010-04-16T06:37:20.375-07:00BOM DIA?<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMRUMN6MsxW11TylSZOX0QbkFQ7OPbEUfHNEMCqGgwGu-W9ed_heudGZIujz4T553T94HMQnN8-KRT6mF0qfnST0YETr9601ALdmucd8TMs2mTqZg7cblN1YbtFh4vpiVCIKgG6sMUp-Q/s1600/broken+windows+theory.jpg"><img style="margin: 0pt 10px 10px 0pt; float: left; cursor: pointer; width: 242px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMRUMN6MsxW11TylSZOX0QbkFQ7OPbEUfHNEMCqGgwGu-W9ed_heudGZIujz4T553T94HMQnN8-KRT6mF0qfnST0YETr9601ALdmucd8TMs2mTqZg7cblN1YbtFh4vpiVCIKgG6sMUp-Q/s320/broken+windows+theory.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5460723422083994722" border="0" /></a><br /><span style="font-weight: bold;">Doralice tinha descido do ônibus uns dois ou três pontos antes, porque o trânsito empacou na Avenida São João, e agora ia andando apressadíssima pela calçada molhada, que lhe ensopava o couro barato do sapato. Ploc, ploc, ploc...</span> <span style="font-weight: bold;">Pensava sem querer naquelas cenas tão tocantes que acabara de ver na televisão, enquanto ia engolindo seu pão com margarina e tomando café com leite. Aquela gente triste sendo retirada do meio dos escombros do terremoto longínquo: gente morta, gente gravemente ferida, criancinhas chorando à procura dos pais, cachorros perdidos à procura do dono, tantos móveis e utensílios ali expostos ao tempo, certamente que muitos ainda não totalmente pagos, aparelhos caros. Todo mundo hoje em dia tem aparelhos caros, coisas que antigamente ninguém tinha, ninguém nem sonhava. Uma judiação, o terremoto. Ainda bem que aqui não tem.</span><br /><span style="font-weight: bold;">Doralice seguia apressadíssima no seu percurso diário, tentando guardar-se da chuva que despencava, ploc, ploc, ploc. Já estava atrasada quinze minutos. Droga. Aquele emprego... quase xingou.</span> <span style="font-weight: bold;">Se bem que não podia xingar o emprego. OK, era um empreguinho mixuruca, verdade, pagava mal, verdade também, e o chefe era um bosta, um tarado, uma anta. Um bosta! xingou baixinho. Se achava o bonzão , mas não sabia nem escrever, não conjugava os verbos direito, engolia todos os plurais, trocava os pronomes, para mim vender, para mim comprar. Uma anta. O sapato ensopado ajudava a odiá-lo: mas precisava tanto daquele dinheirinho mixo! O terremoto...</span> <span style="font-weight: bold;"><br />No elevador, encontrou a Dona Cinira, a dona boazuda do sexto andar. Bom dia! Bom dia? Melhor deixar barato, melhor concordar que o dia estava bom, apesar. Bom dia, Dona Cinira. Era secretária do diretor no sexto, a vaca. Bomdiaeforamseespremendoconformeoelevadorenchiadegentequesacoquesacoquesaco... Décimo!</span> <span style="font-weight: bold;"><br />No décimo, Doralice se esgueira para fora e ajeita a saia amarrotada e a blusinha molhada. O sapato, uma poça. Droga. Sobre sua mesinha, a correspondência amontoada espera o fim da greve dos correios. Envelopes pardos, grandes, médios, pequenos, centenas de envelopes. Milhares? Caixas contendo outras caixas menores. Abarrotada. Bom dia?</span> <span style="font-weight: bold;">O chefe, sentadão lá na mesa grande no fundo da sala, olha para ela como sempre olhou, com aqueles olhinhos cúpidos de peixe morto, olhinhos indecentes. Bom dia, dona Doralice! Aliás boa tarde, pegou muita chuva?<br />Ela voltou a pensar no terremoto.</span> <span style="font-weight: bold;">Aqui não tem...<br /><br /><a href="http://www.jefersonbotelho.com.br/wp-content/uploads/2009/08/2654139.jpg">foto: Broken Windows Theory</a><br /></span><span style="font-weight: bold;"></span>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-38470804098823311042010-03-31T12:56:00.000-07:002010-09-18T19:29:47.213-07:00CHUVAS ESPARSAS<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLBq2el3h5v7fStFZZdB9Y8qapmcg8g-7xrvVQxvB5HH3iN2d2KIu5Zd6xRNua33eDqqVHNxDq28mz0k2HWJsIGSl7sI8gASOfoKkOkl_XPG9Z0nDOCjLrPXUlCjRbJVZAox_omgGVppU/s1600/janela+do+onibus.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5455178794920189058" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 320px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 319px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLBq2el3h5v7fStFZZdB9Y8qapmcg8g-7xrvVQxvB5HH3iN2d2KIu5Zd6xRNua33eDqqVHNxDq28mz0k2HWJsIGSl7sI8gASOfoKkOkl_XPG9Z0nDOCjLrPXUlCjRbJVZAox_omgGVppU/s320/janela+do+onibus.jpg" border="0" /></a><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold"></span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold">O relógio marcava dez horas.</span> <span style="FONT-WEIGHT: bold">Segunda-feira, dez horas da manhã. Céu nublado, 'sujeito a chuvas esparsas', bem como dissera a mulher da TV. Chuvas esparsas: uma chuva aqui, outra chuva ali... e, no meio, aquele deserto. Pois se a sua própria vida fora sempre tão sujeita a chuvas esparsas!</span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold">O portão negro de ferro fechou às suas costas com o baque costumeiro, mas do avesso. Fechava-o agora para fora, impedindo-o de voltar à sensação de segurança do conhecido espaço interno, circunscrito pelos altos muros: estava livre, e agora era preciso andar. Livre, liv-re...</span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold">Em pé na calçada molhada, pensou no que fazer daquela liberdade que, de tão esperada, já não permitia improvisação.</span> <span style="FONT-WEIGHT: bold">Pegaria o ônibus no ponto do outro lado da avenida (agora a passagem era R$ 2,70) e sentaria do lado da janela, se desse. No caminho, iria observando cada pequeno detalhe das ruas com uma importância nova, iria descobrindo o mundo outra vez.</span> <span style="FONT-WEIGHT: bold">Olharia com curiosidade qualquer pequena mudança, qualquer prédio novo, um cartaz diferente numa loja, uma placa anunciando obras na pista. Certamente veria, pela primeira vez na vida, os lírios amarelos no canteiro central.</span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold">O mundo estaria lá, como se tudo houvesse sido congelado, ou como se fosse um filme passando diante de si, como se ele mesmo fosse um personagem de filme, e não uma pessoa real. Livre, livre, li-vre.</span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold">Ao seu lado sentou-se um cego, e viajaram os dois em silêncio.</span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold">Ele continuou a fazer o inventário da paisagem que desfilava na vidraça conforme o ônibus avançava, cortando a cidade: as pessoas, os prédios, os viadutos, mais pessoas, o trânsito pesado arrastando-se pelas vias marginais, ' nesta segunda-feira a cidade estará sujeita a chuvas esparsas no decorrer do período'...</span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold">Chegaria em casa em tempo de almoçar, pensou, chegaria antes do meio-dia, provavelmente. Mas era segunda-feira, e provavelmente ninguém estaria em casa, provavelmente, no trabalho. Provavelmente. Chuvas esparsas. Era o seu primeiro dia em liberdade, e comeria algum resto requentado da janta. Mas aquilo também era vaidade. Tudo era vaidade, não era?</span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold">Pensou no que estaria pensando o cego, a seu lado: ele ia tão sério, o ceguinho, com aqueles dois olhos cegos não-olhando o vazio na sua frente.</span> <span style="FONT-WEIGHT: bold">Talvez o ceguinho também tivesse sido posto em liberdade, talvez o cego também estivesse indo para casa, talvez o cego também analisasse aquele mundo recém-descoberto, a seu modo, e talvez ele também o achasse muito mudado, comparando com o de antes. Talvez...</span><br /><span style="FONT-WEIGHT: bold">Recomeçou a chover, embaçando as vidraças do ônibus. Uma chuvinha besta, uma chuvinha rala e quase morna, um pingo cá, outro pingo lá: chuva esparsa. Sentiu necessidade de chorar.</span><br /><br />foto: <a href="http://moncoeursauvage.wordpress.com/">Chuva</a>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-15898241234655823082010-01-07T07:11:00.001-08:002021-10-13T18:34:14.920-07:00O SURTO <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6i6YqzKcDSEPXx6NwwXYIjauBAQO_tqvxr33dF4hhZiKhCAfa4XXGzFz_iL0PoVdwnRVh7FfWK9uBuDmgA5u2HGW9kWWv9gw3pL5pbTLhLn6yYM2aasGVocaJIzFIcjVmFR_JbKgadH8/s1600-h/TIJOLOS.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5447365507620633586" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6i6YqzKcDSEPXx6NwwXYIjauBAQO_tqvxr33dF4hhZiKhCAfa4XXGzFz_iL0PoVdwnRVh7FfWK9uBuDmgA5u2HGW9kWWv9gw3pL5pbTLhLn6yYM2aasGVocaJIzFIcjVmFR_JbKgadH8/s320/TIJOLOS.jpg" style="cursor: pointer; float: left; height: 240px; margin: 0px 10px 10px 0px; width: 320px;" /></a>
<b>Waldemar, o inquilino, teve um surto e começou a atirar. </b><div><b>Empunhava, sem qualquer destreza, um Taurus calibre 32, que ele tinha arranjado sabe-se lá como e com quem. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>Atirava a esmo, ou antes mirava alguma visão estapafúrdia, porque gritava: "Toma essa! Morre, diabo!" - como se quisesse atingir alvos móveis, que fugiam e que se escondiam atrás da pilha de tijolo e do monte de areia no quintal da casinha alugada, naquela ruela sem saída. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b> Pá, pá, pá! </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>Quem diria. Logo o Waldemar, sempre tão pacato, sempre tão cumpridor de seus deveres, endoidara de vez. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>Pá, pá, pá! </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>Os tiros ecoavam secos, apavorando a vizinhança. A família abrigou-se dentro de casa, todos abraçados e bem longe da porta e das janelas. A mulher chorava, agarrada às crianças pequenas, mais um de colo e um na barriga, quase nascendo de nervoso. A sogra, recuperada do susto inicial, teve a ideia de chamar a polícia:</b></div><div><b>
</b></div><div><b><br /></b></div><div><b>- Eles disseram que já vêm. E ficaram esperando dentro de casa, encolhidos de pavor. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>
</b></div><div><b>Era a primeira vez que Waldemar endoidava daquele jeito. Moravam ali há mais de dez anos, ele era bom inquilino, bom marido e ótimo pai. Saía de casa cedinho e era sempre visto caminhando apressado e de cabeça baixa para o ponto da esquina, onde pegava o ônibus rumo ao trabalho. Respondia aos cumprimentos com um aceno. Mas sempre muito caladão, era verdade.</b></div><div><b>
</b></div><div><b>Nos últimos tempos, entretanto, Waldemar começara a ver coisas e a ouvir vozes. Checava com os atônitos familiares:</b></div><div><b><br /></b></div><div><b>
</b></div><div><b>- Você tá ouvindo? Você viu aquele? Ninguém ouvia nada. Ninguém via nada. Era coisa da cabeça do Waldemar.</b></div><div><b><br /></b></div><div><b>
</b></div><div><b>- Interna ele, comadre. Isso pode piorar...</b></div><div><b><br /></b></div><div><b>
</b></div><div><b>As pessoas pensavam que era fácil. Não dependia dela, tinha que partir do médico, ninguém podia trancafiar ninguém assim num hospício, sem mais nem menos, só porque uma comadre aconselhou. Mas daquela vez tinha o revólver!</b></div><div><b><br /></b></div><div><b>
</b></div><div><b>- Polícia! a sirene da guarda finalmente apitou no portão. Silêncio total. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>
</b></div><div><b>- Polícia! repetiu o guarda, dando ordem de prisão. Mãos pra cima! </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>
</b></div><div><b>Waldemar tinha recarregado a arma, e dessa vez sua fúria dirigiu-se para os policiais, que se jogaram para trás da viatura. O tiroteio tomou forma, pediram reforços. A calma ruazinha sem saída virou um banzé. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>
</b></div><div><b>O impasse já durava uma meia hora, quando apareceu o Juventino, de bermuda e chinelão de vão-de-dedo, e foi se apresentando. Era o inquilino da casa 23. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>
</b></div><div><b>- Deixa comigo que eu falo com ele. Nós semos amigo. </b></div><div><b><br /></b></div><div><b>- Ô Seu Wardemá, aqui é eu, o Juventino. Pode vim que os cara já tão tudo espichado. Me deixa eu ver essa arma, Seu Wardemá? Bacana...</b></div><div><b> </b></div><div><b>Conduziram o surtado ao hospital, onde permaneceu em observação. </b></div><div><b><br /></b></div><div>
</div><div><a href="http://www.andrapisos.com.br/ANDRAPAV/images_tijolo/imagem-01.jpg">foto: "Tijolos"</a></div>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-27794391574176867072010-01-05T13:46:00.000-08:002010-01-10T19:39:00.819-08:00A CURA<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0ENsdhrHFzWtRrXQwoT4NF7mVVpv83XuE-FLIm0w6U00Uy0_tKx0W1l_iC6qAf-a36JZH9FD1R2_k1qIcEmaiij6oG9CMDtaVpOefe9O9iTzZ2VOZmdk91orpYZKsN3Ew9fzRQj3sWVM/s1600-h/travel.jpg"><img style="margin: 0pt 10px 10px 0pt; float: left; cursor: pointer; width: 315px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0ENsdhrHFzWtRrXQwoT4NF7mVVpv83XuE-FLIm0w6U00Uy0_tKx0W1l_iC6qAf-a36JZH9FD1R2_k1qIcEmaiij6oG9CMDtaVpOefe9O9iTzZ2VOZmdk91orpYZKsN3Ew9fzRQj3sWVM/s320/travel.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5424727966580769682" border="0" /></a><br /><span style="font-weight: bold;"></span><div style="text-align: right;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-weight: bold;"> </span><span style="font-weight: bold;">O médico do interior já tinha perdido a esperança de curá-la, e sugeriu que ela viesse à capital se tratar. Quem sabe? Era uma dessas doenças insidiosas e gravíssimas, cujo nome éramos até proibidos de pronunciar. Aquelas doenças malditas, que corroem a pessoa por dentro, debilitando-a e causando uma fraqueza sem trégua. Era quase a morte, conforme parecia</span>.<br /><span style="font-weight: bold;">A família se cotizou, juntaram algum dinheiro e a menina, escorada na mãe, encetou a viagem até a cidade de São Paulo.<br />Aqui chegando, foram pedir abrigo na nossa casa, num bairrinho da periferia. O tratamento ia ser longo.</span> <span style="font-weight: bold;"><br />Naquele tempo, a hospitalidade era regra, e não exceção. Todo mundo se unia diante das adversidades: doença, morte, funeral, eram acontecimentos familiares, que ocasionavam adaptações na vida doméstica. Ninguém ficava em hotel, ninguém morria em hospital, tendo família. Era um colchão a mais que aparecia, eram cobertores tirados da arca, pratos que se somavam à louça da casa, tudo em silêncio.</span><br /><span style="font-weight: bold;">A janta foi uma festa: fazia tanto tempo que a gente não se via, tinha tanta coisa para contar, tanta coisa para perguntar sobre os que ficaram na roça. Quem casou, quem teve filho, quem morreu. Eu brincava com a minha prima, feliz da vida.<br />A conversa se estendeu até perto das onze horas, quando </span><span style="font-weight: bold;"> alguém lembrou que a menina devia estar cansada, coitadinha, porque já era tarde, onde já se viu. Na segunda-feira bem cedo ela ia começar o tratamento. Melhor apagar a luz, melhor dormir.</span><br /><span style="font-weight: bold;"><br />- Dorme com Deus pai, dorme com Deus mãe. Dorme com Deus tia, dorme com Deus, prima. Amém, amém, amém, dorme com Deus você também...</span><br /><br /><span style="font-weight: bold;">Elas se instalaram numa cama de solteiro, ao lado da minha, deitando uma para os pés e a outra para a cabeceira. Cadê dormir, entretanto?</span> <span style="font-weight: bold;">Na semi-obscuridade do quarto, eu fiquei olhando para a minha prima e escutando a sua respiraçãozinha difícil. Com os olhinhos arregalados, ela observava tudo ao redor, em silêncio: a casa estranha, os desenhos no teto, a Nossa Senhora na folhinha pendurada na parede. Tinha medo.</span><br /><span style="font-weight: bold;">Então eu lhe estendi o meu gatinho de pelúcia, o Frederico. Velho, amarfanhado, a pelagem marrom já raleando aqui e ali, um olho faltando, Frederico era o meu refúgio, especialmente nas noites como aquela, em que o sono não vinha. E que as sombras das árvores dançavam lá fora, desenhando fantasmas no vitrô.</span> <span style="font-weight: bold;"> Toma, eu falei, entregando-lhe o gatinho estropiado. Pode segurar o Frederico, se você quiser. E a menina sorriu no escuro, aquele sorrisinho tímido e bonito, de cortar o coração.<br />Dormimos: eu sonhei os sonhos normais de gente sadia, mas ela deve ter sonhado com a cura, porque o longo tratamento finalmente a curou.<br /><br /><a href="http://artistamuvek.blogspot.com/">foto: Irisz Agócs</a><br /></span> </div><br /><span style="font-weight: bold;"></span></div>Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4632842526503264313.post-2094395366967247032010-01-01T14:53:00.001-08:002018-02-21T17:07:12.273-08:00A NUVEM NEGRA<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjMxHxC6iRTry1zDikp6yAQwnooYg4igMqu3rDY_nEvzqfvFqyy3IrHOtwuSX3R93wYBCGyPrG1oUDNj7egbE4Z4YOORfsRqifU5lVf-HQr_V0vFI5AlRIrEqf6dU0X34w70L6pHGVg0M/s1600-h/nuvem+negra.bmp" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5421929633644219858" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjMxHxC6iRTry1zDikp6yAQwnooYg4igMqu3rDY_nEvzqfvFqyy3IrHOtwuSX3R93wYBCGyPrG1oUDNj7egbE4Z4YOORfsRqifU5lVf-HQr_V0vFI5AlRIrEqf6dU0X34w70L6pHGVg0M/s320/nuvem+negra.bmp" style="cursor: pointer; float: left; height: 320px; margin: 0pt 10px 10px 0pt; width: 239px;" /></a><br />
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<div style="text-align: left;">
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;"><br /></span></div>
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;">Tudo nessa vida é questão de ponto de vista.</span></div>
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;"><br />Para o otimista, que vê sempre o lado claro da existência, o copo certamente estará sempre meio cheio, e nunca meio vazio. Os problemas de qualquer ordem ou natureza, sejam eles pequenos, médios ou grandes, serão encarados como desafios ou como oportunidades de crescimento espiritual, intelectual, ou seja lá o que for. No fim tudo dará sempre certo, e o otimista dirá, exultante: "Eu não falei?"</span> </div>
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;"><br /></span></div>
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;">Já, para um pessimista inveterado como o Freitas, tudo, mas tudo mesmo no universo existe no único e exclusivo intuito de tornar a vida mais difícil para ele. </span></div>
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<span style="font-weight: bold;"><br /></span></div>
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<span style="font-weight: bold;"></span><span style="font-weight: bold;">Sob a negra nuvem de fumaça que o acompanha (feito aquelas que se formam quando se queimam pneus) estará sempre tudo dando muito errado, tudo estará ocorrendo muito atrasado, muito adiantado, será tudo muito pequeno, muito grande, enfim, tudo errado. Ele também dirá, mas pelo motivo inverso: "Eu não falei?</span><span style="font-weight: bold;">"</span></div>
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;"><br />Exagero? Não creio..</span></div>
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;"> </span><span style="font-weight: bold;"><br />Era a última semana de dezembro, e a firma tinha dado férias coletivas. O Freitas, que fazia anos não saía de São Paulo, tinha feito planos para aquela viagem com bastante antecedência. As malas já estavam no porta-malas do carro desde a véspera, tudo nos conformes: máquina fotográfica, óculos escuros, protetor solar, repelente de insetos, boné, chinela havaiana. </span></div>
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;"><br /></span></div>
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;">Trajava a tradicional fantasia de turista paulistano: bermudona xadrez, camisa estampada de grandes flores e tênis de marca. </span></div>
<div style="font-style: italic;">
<span style="font-weight: bold;"><br />Tudo muito bem, até aqui.</span> Bem demais, pensou. Resolveu dar mais uma checadinha no carro, só para ter certeza. Pneus OK, freios OK, luzes OK, extintor OK. Já tinha verificado tudo isso umas dez vezes, mas sabe como é. Ansiedade...</div>
<div style="font-style: italic;">
<br /></div>
<div style="font-style: italic;">
Foi então que começou a dor. </div>
<div style="font-style: italic;">
<br /></div>
<div style="font-style: italic;">
No meio do peito, fininha, chatinha, insistente. O Freitas achou aquilo esquisito, aquele embrulho no estômago, aquele aperto na garganta, o suor. Sentou num caixote na garagem, quem sabe a dor passava. Não passou, e começou a ficar cada vez mais forte. Sentia que a dor subia e que amortecia o queixo, migrava até o braço. Não conseguia mais respirar direito. Chamou a mulher, num gemido.</div>
<div style="font-style: italic;">
<br /></div>
<div style="font-style: italic;">
Acode aqui, Neide!</div>
<div style="font-style: italic;">
<br /></div>
<i>Foram voando para o PS, onde um médico boliviano muito solícito deu o veredito implacável: infarto del miocárdio. Internado às pressas, nem teve tempo de trocar de roupa, destoando muito dos outros pacientes, na insólita fantasia de havaiano.</i><br />
<i><br /></i>
<br />
<div style="font-style: italic;">
Quando conseguimos vê-lo, muitas e muitas horas depois, o Freitas só disse, coitadinho, entre os tubos e os cateteres que apontavam de dentro daquela baita nuvem negra: </div>
<div style="font-style: italic;">
<br /></div>
<div style="font-style: italic;">
Eu não falei?</div>
</div>
</div>
Dalva M. Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/15300011484292958416noreply@blogger.com6