Ali pelas dez e meia, onze da noite, Antenor, o carcereiro, entrou correndo, com os olhos esbugalhados, e gritou, com a vozinha fanha:
- 'aramba! Os 'aras 'ão 'ebrando tudo! É 'ebelião !!!
Os presos (eram quase trezentos num espaço destinado a menos de cem) tinham arrancado as grades das celas e as outras que separam os cárceres do pátio interno. Estava tudo arrombado, tudo aberto. Haviam amontoado as grades arrancadas, bloqueando com elas a porta de entrada da carceragem: ninguém saía, mas também ninguém entrava.
A fumaça preta dos colchões incendiados empesteava o ar, com um cheiro esquisito de galinha sapecada e creolina.
Eles tinham arrombado a cela-forte (nem tão forte), onde ficam separados aqueles presos problemáticos, os jurados de morte e os estupradores, arrastando-os para o meio do pátio, onde foram surrados sem dó e depois largados lá, meio mortos, amontoados sobre as grades arrancadas das paredes. Então os malucos botaram fogo nos colchões, debaixo dos ferros:
- Nós vai fazê churrasco de estrupadô!
Os bombeiros, enfiando a mangueira na muralha, por cima das celas, apagaram a fogueira, evitando o churrasco macabro. Felizmente o destacamento era perto...
A lenga-lenga durou a noite toda, adentrou a manhã e a tarde. Uma zorra, um inferno. Os amotinados exigiam melhores condições, pediam pelo comparecimento do juiz corregedor, clamavam pela imprensa.
Vieram reforços.
Foi providenciado o atendimento médico dos espancados e dos chamuscados, e a remoção de vários presos para outras unidades, e então o cansaço bateu. Os plantonistas, arriados nos bancos da sala de espera, meditavam sobre o domingo estragado.
- Você não bateu a grade, Antenor? Não viu nada?
- 'ati sim, uai! Os 'aras são a imagem do 'ão!
- Do cão ou não, Antenor, você vai ver o tamanho do bonde, depois dessa mancada. Eu não sei não, mas parece que já estão providenciando tua permuta com um carcereiro lá de Xiririca da Serra. Não sei não...
- 'aramba! 'ala sério! 'inguém 'erece!
É... ninguém merece.
2005