sexta-feira, 7 de setembro de 2007

NOVE DE JULHO


Teve uma tarde que choveu, choveu, choveu...


Fechadas em casa, as duas passavam as horas em busca do que fazer, matando o tempo.
Uma bordava lentamente, perto da luz forte do abajur,  panos de prato com caprichadas figuras, girassóis alegres, morangos intensos. A outra, tendo desligado o rádio por causa dos raios, olhava pela janela, lá embaixo, o trânsito que se arrastava e já se engarrafava na entrada da Avenida Nove de Julho. Será que ia ter enchente?

De repente, uma freada brusca e começou um alvoroço na calçada do boteco da esquina. Uma multidãozinha se fechou em volta do fato, criando uma parede escura de capas e guarda-chuvas.

- Será atropelamento ou será briga?

Não dava para ver direito, tudo parou por uns breves minutos, ocasionando buzinas irritadas. A chuva aumentou mais. Chegou uma viatura que talvez já fosse passando quando foi parada pelo povo. Alguns abriram alas.


- Ó, chegou a polícia!

Ela continuava irradiando os fatos com riqueza de detalhes, como se a outra fosse cega. Tinha sido coisa feia, porque o povo não aluia, nem com a chuva. Nem com a chuva! 
O rio que mora debaixo da avenida  foi aumentando,  ia ter enchente sim, podia escrever.

- E-vem a água! Olha a altura da enxurrada, já chegou na porta do bar...


Relâmpagos, raios e trovões medonhos, ribombavam no vale fechado entre prédios altíssimos e velhos viadutos cinzentos. Os paninhos de prato, dobrados em quatro, somavam  girassóis e morangos, enquanto as horas escorriam,  vagarosamente. A outra seguia o relato,   cotovelos fincados na soleira da janela:



- Ó, lá e-vem um. E e-vem mancando! Ou será que ele já era manco?








2006

Um comentário:

Anônimo disse...

Aaa, sonhei muito com um apartamento na 9 de Julho! Minha vidinha medíocre teria fim assim que estivesse com a posse de um apê alugado ali. Mas, quando dei por mim, havia alugado um apê na Francisco Morato, no bairro da Água Branca. Passado um mês de moradia lá, descobri que medíocre foi a minha intenção de morar só e voltei... Durante alguns anos depois, a 9 de Julho exerceu seu fascínio sobre mim. Ali era o marco-zero dos meus devaneios sobre a vida que eu queria viver. Ali eu estava perto de tudo, perto dos meus amigos que endeusei, do meu trabalho numa multinacional, mas longe demais das minhas referências vitais. Nem sequer almoçar no Giovani Bruno ou Jantar no Famiglia Mancini, às vezes, teve o poder de me fazer esquecer o arroizinho com feijão, bife e um copo de Ki-Suco lá da minha casinha na Penha. Achava que o caos urbano da 9 de Julho era um preço pequeno a ser pago pela vida que eu idealizava pra mim. O tempo passou e foi muito difícil para mim desfazer os laços, quase nós, que estabeleci com essa avenida e seus arredores. Hoje em dia é raro que eu passe por ali, mas quando passo me sinto um abstêmio geográfico e com uma baita de uma nostalgia. Adorei a sua blogada!

Bjs,

João Eduardo