Atire a primeira pedra aquele que não sofreu por causa de um grande amor.
Quem nunca ficou feito besta, escrevendo o nome amado numa folha de caderno, mil vezes; Fulano, Fulano, Fulano. Mil vezes! Ou quem nunca sentiu aquele friozinho na barriga, aquela tontura, aquela falta de ar, aquele prenúncio de morte, quando via a pessoa amada ou até mesmo quando pensava nela. Quem não idolatrou uma fotografia 3 x 4, ou guardou uma rosa seca, um lacinho de fita, um papelzinho de bala só porque ganhou do ser amado. E por aí vai.
Amar é assim mesmo, é ao mesmo tempo um mar de realidades e um oceano de fantasias. A gente mais idealiza o parceiro do que repara nas suas inevitáveis imperfeições, até que seja tarde demais.
O namoro e o noivado (ainda existe noivado?) existem para isso mesmo: para que os nubentes se conheçam melhor, para que convivam um pouco mais e comparem os gênios e as idiossincrasias, e para que decidam se vale a pena viver o resto de suas vidas juntos, até que a morte os separe.
Pelo menos devia ser assim.
No caso da Lucicleide, a filha do verdureiro, não foi bem o que aconteceu, bem pelo contrário! Lucicleide era uma nefelibata, a cabecinha sempre nas nuvens, sempre idealizando o seu príncipe encantado e o momento em que ele chegaria, num fogoso corcel, para libertá-la da mesmice dos seus dias, no balcão da quitanda, e suas noites idiotas, plantada diante da TV.
Aí apareceu o Osvaldinho. Ah! o Osvaldinho...
O Osvaldinho era um daqueles conquistadorezinhos baratos, do cabelo cheirando a brilhantina, do sapato de bico fino, cheio de piropos e de plurais. Que lindos olhos que tu tens, minha princesa! Meus dias ficam mais alegres quando os vejo, minha deusa! Teus cabelos são mais negros do que a noite sem luar, minha graúna... Coisas assim, mas que fizeram a Lucicleide se apaixonar perdidamente pelo tal, a ponto de transformá-lo num verdadeiro deus.
Ai de quem ousasse questionar qualquer detalhe sobre a vida pregressa, presente ou futura do Osvaldinho! Que ele não trabalhava? Ora... Que ele sumia de vez em quando, não deixando nem o rastro? Afinal ele voltava, não voltava?
Osvaldo, Vadico, Vavá... mil vezes ela ia escrevendo o caro nome e os apelidos adorados no papel pardo de embrulho, o qual ia envolvendo e distribuindo dúzias de bananas e maços de couve pelo bairro inteiro, enquanto noticiavam que Lucicleide amava Osvaldo. Mil vezes!
Namoraram, noivaram e casaram, no prazo de um ano. Tempo demais, para alguns; muito pouco tempo, para outros, que sacaram logo de cara que o moço não era lá grande coisa. Um pilantra, isso sim.
Ganharam os segundos: o casamento com Osvaldo (Vadinho, Vadico, Vado, Vavá), que deveria ser um mar de rosas, provou ser um belo atoleiro.
Acontece que Osvaldo era mesmo enrolado com a Justiça. Era também, além de um tremendo 171, viciadíssimo na jogatina. O marido desnaturado, quando não sumia do mapa, passava noites e mais noites enfiado no jogo, enquanto Lucicleide definhava, sozinha, defronte à TV.
Igualzinho a antes, mas doía mais.
foto: Edward Hopper
Quem nunca ficou feito besta, escrevendo o nome amado numa folha de caderno, mil vezes; Fulano, Fulano, Fulano. Mil vezes! Ou quem nunca sentiu aquele friozinho na barriga, aquela tontura, aquela falta de ar, aquele prenúncio de morte, quando via a pessoa amada ou até mesmo quando pensava nela. Quem não idolatrou uma fotografia 3 x 4, ou guardou uma rosa seca, um lacinho de fita, um papelzinho de bala só porque ganhou do ser amado. E por aí vai.
Amar é assim mesmo, é ao mesmo tempo um mar de realidades e um oceano de fantasias. A gente mais idealiza o parceiro do que repara nas suas inevitáveis imperfeições, até que seja tarde demais.
O namoro e o noivado (ainda existe noivado?) existem para isso mesmo: para que os nubentes se conheçam melhor, para que convivam um pouco mais e comparem os gênios e as idiossincrasias, e para que decidam se vale a pena viver o resto de suas vidas juntos, até que a morte os separe.
Pelo menos devia ser assim.
No caso da Lucicleide, a filha do verdureiro, não foi bem o que aconteceu, bem pelo contrário! Lucicleide era uma nefelibata, a cabecinha sempre nas nuvens, sempre idealizando o seu príncipe encantado e o momento em que ele chegaria, num fogoso corcel, para libertá-la da mesmice dos seus dias, no balcão da quitanda, e suas noites idiotas, plantada diante da TV.
Aí apareceu o Osvaldinho. Ah! o Osvaldinho...
O Osvaldinho era um daqueles conquistadorezinhos baratos, do cabelo cheirando a brilhantina, do sapato de bico fino, cheio de piropos e de plurais. Que lindos olhos que tu tens, minha princesa! Meus dias ficam mais alegres quando os vejo, minha deusa! Teus cabelos são mais negros do que a noite sem luar, minha graúna... Coisas assim, mas que fizeram a Lucicleide se apaixonar perdidamente pelo tal, a ponto de transformá-lo num verdadeiro deus.
Ai de quem ousasse questionar qualquer detalhe sobre a vida pregressa, presente ou futura do Osvaldinho! Que ele não trabalhava? Ora... Que ele sumia de vez em quando, não deixando nem o rastro? Afinal ele voltava, não voltava?
Osvaldo, Vadico, Vavá... mil vezes ela ia escrevendo o caro nome e os apelidos adorados no papel pardo de embrulho, o qual ia envolvendo e distribuindo dúzias de bananas e maços de couve pelo bairro inteiro, enquanto noticiavam que Lucicleide amava Osvaldo. Mil vezes!
Namoraram, noivaram e casaram, no prazo de um ano. Tempo demais, para alguns; muito pouco tempo, para outros, que sacaram logo de cara que o moço não era lá grande coisa. Um pilantra, isso sim.
Ganharam os segundos: o casamento com Osvaldo (Vadinho, Vadico, Vado, Vavá), que deveria ser um mar de rosas, provou ser um belo atoleiro.
Acontece que Osvaldo era mesmo enrolado com a Justiça. Era também, além de um tremendo 171, viciadíssimo na jogatina. O marido desnaturado, quando não sumia do mapa, passava noites e mais noites enfiado no jogo, enquanto Lucicleide definhava, sozinha, defronte à TV.
Igualzinho a antes, mas doía mais.
foto: Edward Hopper
7 comentários:
Que amorzinho mais bandido que a Lucicleide foi arrumar. No caso dela, arrumou um bandido de verdade, literalmente. Se o Osvaldo era bandido, Lucicleide também não deixava de ser uma bandida, já que a cumplicidade divide o ato criminoso, 50% pra cada um. Infelizmente, tem muita mulher que gosta disso, dessa áura de macho com muito poder e virilidade, mas que geralmente não traz aquela proteção tão desejada, pelo contrário, a vida vira um inferno e dos familiares e amigos da cabeçuda idem.
Beijos
Adoro seus contos. Que contos, contam da natureza humana como é, demasiado humana.
Porque é que a paixão é cega?
Ô, Lucicleide... tadinha! Cara, esses Osvaldinhos certamente são coisa das PQMCE...siesque.
Sabe que conheço uma estoria parecida, que se passou ai por 1950. Tudo igual, so que "Lucicleide" ficou doente, teve tuberculose, o que naquela é poca era um mal grave de dificil cura. O "Vadinho" parou de jogar, de beber, de passar noites fora e ficou cuidando dela para que não fosse internada naqueles sanatorios. Ela curou-se e eles viveram juntos até que "vadinho" morreu. Viveram como vivem a maioria dos casais, porém nada de jogo e noites fora de casa.
AS vezes penso que nos as "Lucideides" (mulheres quase sempre são) enxergamos o que ninguem mais ve, nem o proprio, que por não enxergar pode passar o resto da vida sem desabrochar.....quem falou que é só mulher e flor que desabrocham?
São muito redondos seus contos, não há como não ver a vida neles e desculpe o comentário longo.
É... São tantas Lucicleides por aí, que se casam com o príncipe Que elas mesmas inventam, e depois se obrigam a passar a vida ao lado de um sapo gordo...
Bjs!
A palavra é semente
Que floresce na luz de cada alma e enternece
Às vezes é doce veneno
Às vezes taça de cidra que o peito aquece
Ser Poeta é tanto, tão pouco
É transformar em crentes os ateus
É domar todas as tempestades da alma
É estar mais perto de Deus
Mágico beijo
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