"EU VOU TER UMA CASA COM VARANDA"
A frase, escrita em letras de forma num quadradinho de cartolina colado à cabeceira da cama, passou a funcionar como uma espécie de mantra. Toda noite, antes de fechar o Neruda e apagar a luz do abajur, Dinorá lia as palavras que desenhou com caneta hidrográfica vermelha:
"EU VOU TER UMA CASA COM VARANDA".
Dormia pensando nisso, e alguma vez chegou a sonhar que tinha conseguido comprar a casa. Via o telhado vermelhinho, as janelas pintadas de azul. A varanda com seus vasos de samambaia e antúrios.
"EU VOU TER UMA CASA COM VARANDA".
Dormia pensando nisso, e alguma vez chegou a sonhar que tinha conseguido comprar a casa. Via o telhado vermelhinho, as janelas pintadas de azul. A varanda com seus vasos de samambaia e antúrios.
De manhã, antes de pular da cama, ela lia a frase, ainda uma vez. Esperava.
Tomava o seu café preto solitário, antes de seguir para o empreguinho besta na editora. Então respirava fundo e subia os degraus que a separavam da rua, pegava o metrô lotado e ia cuidar da vida.
Eram oito estações.
Olhando a paisagem monótona recortada através dos vidros de aquário do vagão, Dinorá prosseguia na construção do seu projeto de vida. Um dia ela ainda ia comprar uma casa com varanda, bem batida de sol e com um pequeno jardim na frente, onde plantaria um pezinho de pitanga. Ou de romã. Nos galhos, ia pendurar um bebedouro para atrair passarinhos. Assim teria sempre a casa aquecida pelo sol e passarinhos cantando na janela. Chegava até a sorrir, sozinha.
"Estação Luz. Desembarque pelo lado direito"
Dinorá mergulhou na corrente, junto da multidão apressada. Era sempre assim naquele horário. Seguiu mais uma vez entre as caras desconhecidas rumo ao prédio cinzento fincado na divisa entre a Luz e o Bom Retiro, entre lojas, bordéis, hoteizinhos e botecos sombrios.
Mas dali a dez horas ela voltaria a sonhar com a casa. E com a varanda.
foto: Bebedouro de Gláucia Goes
5 comentários:
Cara Dalva,
sem sonhos nossa vida seria bem "besta"1
Abs
Às vezes gostaria de habitar uma zona temperada entre a pura comoção e o ceticismo. Tão melancólico isso. Sabe aquelas cenas de filme em que a câmera enquadra de cima a personagem e vai se afastando aos poucos, e mostra a rua onde o personagem já desaparece, e, em seguida, o bairro, a cidade, o pais, a Terra...? Pois é.
Abraço, Dalva.
O que seria da gente sem um sonho dentro da gente.
Lindo texto.
beijos
E um dia, na varanda da casa, ela olhará os colibris colhendo o néctar das flores, e mordiscará uma fruta romá recém-amadurecida no pé e pensará na felicidade de ter insistido no sonho que começou nas letras em papel na guarda da cama.
Belo texto.
Abrs
Melhor um projeto do que um sonho. Ou uma promessa, feito Tara: Nunca mais passarei fome! escrito na alma.
E assim se fez.
Abraço e obrigada pela visita e comentários.
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