domingo, 7 de agosto de 2011
CONTO DE OUTONO
Toda manhã de domingo ele ia à missa, religiosamente. Confessava, comungava, participava das atividades da igreja. Na volta, passava na padaria, trazia o pão e o leite, sentava-se sozinho à mesa da cozinha e lia até a família acordar, bebendo café e ouvindo rádio baixinho.
Um domingo, ele não se levantou da cama até as 8 da manhã, o que chamou a atenção da esposa, mulher metódica e exigente.
- Você não está bem? E a missa? E o pão? E o leite?
Então ele se levantou, banhou-se, vestiu seu melhor traje e saiu de casa tranquilamente, dizendo que ia comprar cigarros. E nunca mais voltou.
Tinha uma amante.
Tinha planejado tudo, dia após dia, noite após noite, enquanto cumpria todas as numerosas obrigações de marido dedicado, excelente pai de família e cristão praticante. Alugou um apartamento quitinete no centro da cidade, com vista para o vale do Anhangabaú. Era bem pequeno, verdade, para quem morou quase que a vida inteira em casa grande, mas para dois bastava. Os móveis - pouca coisa, o básico - ele comprou de segunda mão: um fogãozinho de duas bocas, um jogo de quarto, uma mesinha e duas cadeiras, estava pronto o ninho de amor.
- A vida dá muitas voltas, você não acha?
Ele começou a vida como office-boy na mesma empresa onde chegou a chefe de departamento. Aposentou-se no ano anterior, 1984, e foi aí que as intrincadas tensões familiares chegaram ao ponto de saturação: não aguentava mais a indiferença egoísta da mulher e muito menos malcriação dos filhos, gente moderna e sem um pingo de amor no coração. Não suportava aquela vida vazia de velho inútil, relegado ao desprezo do sofá ou ao solitário banco da igreja durante a missa de domingo. Sentia-se vivo ainda!
Naquele outono de 1984, portanto, ele voltou a viver.
Sentiu-se amado da Zilda, que lhe era eternamente grata por ele tê-la tirado de uma situação semelhante. Ela também fora casada, ela também teve marido e filhos e filhas, todos (mal)criados e ausentes.
Conheceram-se num banco de jardim, e resolveram tramar um futuro diferente. Quem sabe daquela vez...
foto: Joan Breckwoldt
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6 comentários:
Fiquei surpresa com a história, acho que pode ser o caminho certo, mas tem o lado da traição...(?)
O importante é ser feliz??
Sim, vale a pena, a mudança radical em nossa vida pode até dar medo, mas se for feita com firmeza e com consciência,então, nunca é tarde pra sermos felizes.
Beijos, vou seguir teu blog, foi bom passar por aqui, viu. Mery.
Pelo menos ele se deu uma chance de ser feliz, desatou os nós e quem quiser ou puder que aproveite.
beijos
BRAVO!
Cara Dalva,
nunca é tarde para recomeçar! Pena que não tenha dado certo durante tanto tempo! O que mais me chocou foi a história de ambos ter em comum uns filhos pouco "filhos"!
Gostei muito desta "estória"! Desejo muito que não seja a realidade (mas, por vezes, duvido...)
abs
Quem sabe? O importante é nunca desistir de tentar ser feliz!
Bjs!
Continuo pasma com gente que acredita que casamento é garantia de felicidade e que amor dura pra sempre.
Precisa ter coragem pra dizer não para o que já se esgotou e sim para uma esperança.
Abraço.
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