"A gente sai do sertão, mas o sertão não sai da gente"
(dito por um grande amigo)
O sertão, com tudo que ele tem de tristonho, de aviltante, constrangedor, neurotizante, fica grudado na sola da nossa alma, para sempre, eu acho não há prozac nem divã que arranque.
Fica a lembrança vergonhosa daquele sapatinho de escola velho e apertado, aleijando o dedão, ou daquela roupinha desbotada de segunda-mão. Remendos no cotovelo, no joelho, herança do irmão mais velho, da patroa, do parente rico.
O defunto era maior. Pé de pobre não tem tamanho...
Aquele parente rico e nojento, que morava nos quintos-dos-infernos, mas que vinha de lá, todo santo ano - o filho da mãe - só para arruinar ainda mais o nosso já tão mixo Natal com a sua presença inoportuna. Com a descarada exibição daquela fartura toda, para nós simplesmente inatingível. Restos da ceia e brinquedos quebrados: ainda serve.
A eterna adaptação de tamanhos, formatos e utilidades, a invenção obrigatória da reciclagem quando o mundo nem sonhava com essa palavra. O serzido, a marrafa, a prega, o remendinho humilhante. A garrafinha com rolha, a latinha ariada, a caixa velha, o papel de embrulho amarfanhado, reutilizado mil vezes. "Tudo se aproveita, nada se joga fora".
Nem as mágoas, nem a inveja, nem o despeito.
A gente sai do sertão, tudo bem. Porque trabalha de dia, estuda à noite, dorme pouco, come da marmita perigando azedar. Economiza, guarda, poupa, investe.
Sobe na vida, a duras penas, fatalmente.
A gente pensa que supera a dor daquela hora íntima, da vergonha da constatação da própria miséria.
Ao assumir um posto mais elevado na vida, longe do buraco, a gente vê com vergonha que não tem a roupa adequada, não tem um calçado decente, não tem as malas apropriadas. Compra tudo a prazo, escora bem a cara e vai em frente, que atrás vem gente.
Na verdade, o que a gente não tem é a história pessoal apropriada, porque viveu sempre uma vida de gambiarras, tentando burlar a seleção natural, aquele sertão que teima em ficar grudado na sola do sapato da gente.
Um comentário:
Dal, você é danada, minha amiga! Como você sabia que eu iria gostar desta nova blogada sua? Só porque eu piro na batatinha e viajo na maionese com minhas filosofadas? Kkkkkkkkkkkkkkkkk... ACERTOU EM CHEIO! Adorei demais este seu texto, um desabafo romântico diria, onde, mesmo com nossas vidinhas gambiarrentas e com nossas almas calçando botinas pra lá de surradas, ainda conseguimos manter uma certa integridade física e espiritual, com direito a um cantinho virtual pra sermos nossos próprios mediadores da luta entre o que somos e o que gostaríamos de ser; no meu caso e até pouco tempo atrás, fazia isso na base de Prozac + divã. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... Ser pobre é uma merda, me atestam os meus carnês do Extra, Casas Bahia e os Mastercads e Visas.
Bem, agora eu vou almoçar minha sopinha de pedregulhos e meu bife sola-de-sapato. Tá servida? Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... Chique no úrtimo!
Beijos e um ótimo sábado!
João Eduardo
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