sexta-feira, 22 de julho de 2016

CONTOS DA TIA


Era uma vez...

Pronto,  estava instaurado o reino do faz-de-conta, onde tudo era possível. A tia sentava-se à cabeceira da imensa cama de casal, acomodando-se entre cobertores e pilhas coloridas de travesseiros.  A gente se  amontoava em volta dela,  olhos arregalados para não perder nada. 

Era uma vez...

Era uma vez, num reino bem distante, bem prá lá do fim do mundo, onde o vento faz a curva, longe, longe, bem longe. Onde nunca, ninguém, jamais foi nem iria, de tão longe.

Tinha um bom rei pai e uma bondosa rainha mãe. Tinha uma filhinha princesa, linda e muito fragilzinha e um príncipe encantado, que ia aparecer no final, enfrentar o dragão  e salvar a princesa, colocando o mundo nos eixos, como acontece nos reinos distantes.  

Porque o bem sempre ganha e derrota o mal. E todos vivem felizes para sempre. 

Era uma vez...

E  ali, entre travesseiros e cobertores, estava montada a fantasia que embalava as nossas vidinhas sem-graça, de crianças pobres da periferia da cidade, sem muito acesso ao sonho.

O tempo, se não me engano, passava mais devagar. A gente acordava bem cedo,  a  tarde passava devagarinho, o dia rendia. A gente brincava sem brinquedos, na rua de terra, com a molecada. Subia nas árvores, amarrava balanço. A noite  demorava a chegar.

Mas,  quando enfim a noite chegava, a gente rodeava a tia, pedindo uma história.   Era quase sempre a mesma: era o bem contra o mal, era o reino muito distante, mas era um prazer imaginar cada  cena, vibrar com o suspense, e esperar o desfecho conhecido.

E foram felizes para sempre!

A tia hoje é uma velhinha meio surda e meio caduca, coitada.  Se duvidar, ela é quem gostaria que lhe contassem contos de fada.