quinta-feira, 5 de março de 2009

NA ESTAÇÃO


Eram onze horas e fazia muito calor. Calor abafado, calor de chuva.

O velho veio andando devagarinho, naquele passinho indeciso dos velhos, que não têm pressa, talvez porque não vão a lugar nenhum. Trazia nas costas uma mochila preta bem surrada, e sentou num daqueles horrorosos bancos de plástico cor de laranja, bem no meio da estação. Ficou ali um tempinho, observando os transeuntes, aquela gente apressada.


Depois tirou da mochila um pacote embrulhado em papel bege. Era um sanduíche, que ele comeu sem pressa,  saboreando e olhando o povo que passava para lá e para cá. Aparava as migalhas, cuidadosamente, juntando-as no côncavo da mão para depois jogá-las à boca. Economizava.


Findo o lanche, o velho olhou ao redor, à procura de uma lata de lixo, para jogar o papel usado. 

E foi então que ele me viu, sentado num outro banco de plástico laranja, e os nossos olhares se cruzaram. Eu sorri, ele sorriu de volta, meio surpreso, com aquela boca banguelinha e simpática. Ele parecia uma criança surpreendida no meio de uma travessura.

- Que calorão, né? O
calor da cidade foi o pretexto para começarmos a conversa.

Ia chover, seguramente ia chover. Lá fora, apesar do ronco dos ônibus, dava para escutar, ao longe, o trovão. Aquilo era calor de chuva...

Eu olhei lá fora, através das embaçadas janelas de plástico da estação, e vi que um vento de chuva realmente passava, arrastando as folhas secas e os papéis espalhados pelo chão. Ia chover, sem dúvida nenhuma, ia chover.

Ficamos os dois ali,  contemplando o cortejo das folhas secas e dos papéis arrastados pelo vento,  por um longo instante de silêncio.

A chuva caiu, finalmente, e com ela vieram as reminiscências. O velho, a boca banguelinha e simpática, começou a cantarolar baixinho uma velha canção popular, cheia de rimas enigmáticas. Era afinadinho, até, o velho.

Chove chuva, chove sem parar...





foto: Oswaldo Goeldi

3 comentários:

Madalena S. disse...

Boa tarde,Dalva.
Muito obrigada pelos seus comentários aos meus contos na Gaveta.
Tenho vindo até aqui mas tardava a aparecer novidade. Felizmente, hoje aqui está. E digo felizmente porque gostei do que li.
Embora a sua prosa esteja impregnada de poesia, isto é, estes textos, cabiam perfeitamente no seu outro blog Poesias Soltas.

Anônimo disse...

Suas mais recentes blogadas estão difícieis para eu comentar... Aliás, na blogosfera a gente se habitua com o pragmatismo de muitos textos e depois tem dificuldade para entender a subjetividade de muitas poesias.

Fiquei encantado e me transportei lá pra estação como uma terceira personagem. Valeu!

Beijos

Concha disse...

O envelhecimento humano é a última fase da vida.E, é com esta ternura que deveríamos olhar e reflectir...

Um Abraço