quinta-feira, 16 de julho de 2020

O RABUDINHO





Não comer manga com leite, porque é veneno.  Nunca deixar o calçado jogado no chão com a sola para cima, porque os pais morrem. Quando o relógio marcar dezoito horas, nunca, jamais iniciar ou manter uma discussão. Uma briga, um bate-boca. Jamais!

Coisas da mãe.

Ela contava que, no tempo antigo, existiu um casal, marido e mulher, que brigava muito. Ele gritava com a mulher, ela jogava coisas nele, era um inferno. Moravam numa casa pequena, de quarto e cozinha, e ele sempre ficava no quarto estirado na cama e xingando, e ela da cozinha, mexendo as panelas e retrucando. De vez em quando voava uma caneca,  uma colher de pau e sempre muitos palavrões dos dois lados. Um inferno.

Mas um certo dia, justamente às dezoito horas, começou o tendepá.  Ele chegou em casa meio bêbado, como de costume,  e já veio xingando do portão.

Que aquela mulher não valia nada,  onde é que ele estava com a cabeça quando casou com aquela vagabunda,  olha só a sujeira da casa e ela o dia inteiro grudada no rádio escutando novela...

E deitou na cama de casal, bufando espichadão.

Ela, como sempre, não deixou por menos, e retrucou que vagabundo era ele e mais a corja toda da família dele, que se soubesse que ia passar a vida inteira enfiada naquele buraco de rato que era aquela casa não teria casado com um inútil feito ele, e coisa e tal...

Foi quando os dois olharam para o portal entre o quarto e a cozinha e viram a criatura. O rabudinho!

O rabudinho estava ali, gargalhando com aquela risada mais medonha, olhando ora para o quarto e ora para a cozinha e torcendo o rabo de gozo, com dois olhos enormes e esbugalhados, acesos de fogo. 

O casal apavorado não sabia o que fazer, então os dois resolveram ajoelhar e rezar.  Só assim  o rabudinho foi embora.

E eu aprendi a ver as horas.


foto ilustração de Feozzy

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