quarta-feira, 13 de outubro de 2021

MEU VESTIDO DE ORGANDI


Uma vez nós vajamos para o interior de Minas,  visitar uma tia que morava na roça. Nem era tão longe assim, a questão é que o transporte, naquele tempo, era bem mais precário. 


Primeiro pegamos uma jardineira, aquele ônibus antigão com o motor na frente e bagageiro em cima do teto, onde viajavam juntos bagagens,  galinhas, porcos e tudo o mais.  A estrada era de terra, por sorte não chovia. A partir de certo ponto, entretanto, tivemos que ir na carroceria de um carro de boi, lentamente, lentamente, ouvindo aquele gemido pungente das rodas, ueeeeeeeeeeeeeem....

Até que, depois de uma curva na estrada, o carro de boi entrou numa fazenda, e nós seguimos a pé. Anda que anda, anda que anda, por fim chegaram os primos a cavalo, para nos encontrar. 

Alívio? 

Acontece que eu tinha viajado com o meu vestidinho mais chique, de organdi cor-de-rosa. Era um tecido muito fininho, quase transparente, em várias camadas formando sobressaias. Um luxo.

Só que, viajando na garupa do vovô, foi impossível segurar aquela montoeira de babados para evitar que encostasse na bunda suada da montaria. Resultado: o suor do cavalo repicou o vestido, acredita? Fez um rombo em toda a extensão do contato. Mas isso eu só fui ver depois, muito depois. Acho mesmo que o vestido ficou na minha sacolinha até o fim da nossa estadia,  vai ver até que foi isso que fez o suor adquirir esse poder todo.
 
Até porque a gente tinha muito mais coisas pra fazer: acordar cedinho e já correr pro ribeirão, nadar entre os meninos e os peixes, tomar leite tirado na hora, comer fruta madura no pé...

Foi naquela vez que eu me dei conta da dureza da vida na roça. Todos trabalhavam por ali, desde a minha tia, senhora já dos seus 50 anos, até os filhos pequenos. E a enxada, amigos, só é bonita na mão do outro!
Eu, bicho urbano, criado nas molezas da cidade grande, do ônibus pra todo canto,  do sapato bom no pé, do agasalho e da capa de chuva contra as agruras do clima, pude ver o quanto a minha vida era diferente dos meus primos, tendo no entanto a mesma idade.

Cedinho, ainda escuro, eles já estavam na cozinha bebendo o cafezinho ralo mineiro e comendo a broa de fubá generosa que minha tia assava no forno de barro. Saiam para o eito pitando seu pito de palha já que a plantação ficava a não sei quantas léguas da casa. 

Chapelão de palha, enxada ao ombro, alguns calçados de jeca-tatu, outros de alpercata,  outros nem isso... E dá-lhe enxada, e dá-lhe capinar o café, e dá-lhe peneirar  café,  uma labuta que só iria terminar com o sol posto.

Eles voltavam cheirando a suor, quietos, mas logo se alegravam. 

Depois da janta, ficavam todos reunidos no alpendre,  tocando viola e cantando as velhas modas de sempre, que falavam valentia  de cavalos baios, de meninos na porteira e de chalanas sumindo na curva dos rios, de amores desfeitos e de colchas de retalho bem guardadas na memória. 

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