
Assim como a enxurrada passa depois da chuva, carregando consigo folhas secas, gravetos e formigas dos barrancos, o trem noturno desliza potente nos trilhos de aço, levando as pessoas no seu fluxo quase silencioso.
É a última viagem da noite.
Os derradeiros passageiros entram nos vagões quase vazios e vão se espalhando sonolentos, sentando-se perto das janelas por puro costume, já que todas mostram o mesmo paredão cinzento e monótono dos subterrâneos da cidade.
As pessoas economizam expressões, parece que plastificaram as caras. Ninguém é triste, ninguém é feliz naquele universo que se arrasta noite adentro.
Fechados em seus casulos, evitam o contato forçado da promiscuidade da massa. Quase todos têm fones de ouvido. Ninguém fala, ninguém ouve, ninguém vê.
A cada parada, homens e mulheres executam um um bailado insólito de movimentos avaros, caminhando até os bancos de plástico ou até a porta eletrônica. Esquivando-se ao toque, driblando o contato visual.
Se acaso um olhar vago encontra outro vago olhar, ocorre como que uma descarga elétrica, e os olhos fogem e resvalam para um ponto fixo no sub-mundo de ferro e cimento.
O silêncio é quase religioso. Só se escuta o zumbido enfezado da máquina e o chacoalhar de caveira das rodas nos trilhos.
Na estação semi-deserta ainda sobem mais umas poucas almas. O trem segue.
foto: "Body Piercing" - Fun Advice
2005
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