sexta-feira, 31 de agosto de 2007

NÚMEROS CIGANOS


"Voar é fácil
Difícil é saber
que o ar que eleva
é o mesmo que segura." - Prozaico 20mg











Na tarde comprida, o barulhinho monótono da máquina de costura hipnotizava o tempo: chocotó, chocotó, chocotó ...
As crianças, trepadas na imensa cama de casal, pediam para ela dizer os números na língua dos ciganos.

- Redi, kilene, kilá, teribal, remici, ysiter.

Debaixo dos cachos muito negros, ela sorria maliciosa, mostrando o dente de ouro. Sabia contar em cigano! Seria verdade ou mentira?
Provavelmente era mentira, pois (conforme hoje sabemos) ela torcia, aumentava, diminuía e enfeitava a realidade de acordo com o interesse da pequena platéia.
O porãozinho alugado na velha mansão libanesa da Vila Mariana se transformava num palco perfeito para as nossas vidinhas inquilinas e para os nossos sonhos migrantes. Tudo ali era verdadeiro, principalmente os sonhos.

Então, nas tardes compridas, o seu perfume de alfazema inundava o mundo, enquanto ela contava estórias fabulosas:

- Eu era pequenininha assim, quando uma tropa de  ciganos me roubaram, e me levaram embora. Fui criada entre eles, eles mudaram até o meu nome para que os meus pais não me encontrassem. Minhas roupas eram todas importadas de terras distantes, era tudo de veludo e de seda. Eu também tinha tinha um bauzinho com muitas jóias de ouro, prata e pedras preciosas...

- Foi quando eu aprendi a contar os números em cigano assim, ó: 

Redi, kilene, kilá, teribal, remici, ysiter.  Redi, kilene, kilá, teribal, remici, ysiterRedi, kilene, kilá...

2005

Foto: "La Zingara" - Werner Karin

Nenhum comentário: